O DIA DE NATAL
O dia de Natal é, por excelência, o dia grande para o cristão. Não há outro maior. Para que a natureza das coisas esteja sempre em desarmonia com a verdade delas, até o dia maior da humanidade é o dia mais pequeno do ano. É naturalmente por isso que o Cristo nasceu de noite.
A noite era a maior; e Deus, nosso Pai, queria, com aquele nascimento na maior noite, dizer ao homem que era aquele Filho seu a luz maior para dissipar a mais dilatada treva.
A civilização, feita de comodismos e vaidades, vai rindo das coisas que eram o encanto dos nossos avós, e que constituíam os mais belos reflexos da crença e do amor. Hoje, só nos recantos ignorados da nossa província se festeja sincera e devotamente a grande noite.
Só lá se reúnem os parentes ausentes, para quinhoarem a consoada, fazerem a meia noite e irem assistir devotamente ao nascimento do Menino como se em verdade ele nascesse no humilde presbitério, caiadinho de branco e recendendo a incenso, perdido no centro da povoação, como sentinela vigilante contra a heresia civilizada.
Lá vão todos, cantando e folgando, como quem vai para a festa maior, depois de, nas suas salas e nos seus eirados, terem passado revista amistosa às suas famílias, deixando cair uma lágrima de saudade pelo ausente que a distância conservou afastado, ou que a morte afastou para sempre daquela consoladora cerimônia.
Ali, naquele meio, onde as filosofias ainda não chegaram, ainda não há pejo de se confessar em voz alta a crença em Deus. Não se presumirá quem seja o Deus que adoram, nem o Jesus de que festejam o nascimento; mas sabem, na simplicidade da sua alma, que aquele menino que vão ver nascer é a paz do seu lar e da sua consciência, que é por ele que ali estão reunidos, e que é a ele que se apegam nas suas dores; que é a ele que encarregam de velar pelo filho, pelo pai ou pelo irmão ausente e é dele que esperam o pão e a salvação. Às almas boas isso lhes basta. Essa fé encontraram ao entrar no mundo, e essa fé desejam legar ao sair dele.
Não conheci na Terra coisa tão tocante como a noite de natal provinciana. É o momento único da família. Os ausentes, naquele momento, deixam de pensar nos seus interesses, nas suas mágoas pessoais, para enviarem um pensamento de saudade e de ternura aos seus velhinhos de cabelos alvos como estrigas de linho, que naquele mesmo momento rezam por esses ausentes, alheando-se de si próprios, na magoada saudade de os não verem, e no tímido receio de que a neve, que lhes cobre os cabelos, desça ao coração sem que eles voltem a abençoá-los em nome de Deus.
Momentos de recordação e de saudade, em que os risos têm a placidez dos justos, e as lágrimas a suavidade do amor puro. Todos se lembram, todos se reúnem em pensamento ou em corpo, em nome de Jesus, para lhe festejarem mais um nascimento.
Ali estão todos, à luz mortiça do braseiro, a recordar, a rir ou a rezar, consoante o sentimento que domina a família toda, na mais tocante comunhão de afetos. E tudo suavemente, e tudo tranqüilamente, como se a suavidade humilde e divina do Mestre tivesse baixado a envolver na luz morna do seu afeto aqueles que, em nome dele, ali se acham reunidos.
Nas cidades, onde o silvo do vapor, o rugido dos enormes monstros d'aço e ferro, o fumo das chaminés, a celeridade do movimento, a luta pela vida, a moda da civilização, empederniu o coração humano, ou, pelo menos, o embotou pelo egoísmo ou o perverteu pela vaidade, não se conhecem aqueles deliciosos momentos, e alcunham de pieguice condenável o que de bom existe no organismo humano - o sentimento.
Como eu os lamento! Como são dignos de lástima na sua ignorância ou na sua inconsciência!Natal! Natal! Nasceu o Redentor!
Que ele dê a paz ao mundo, e a ti, meu querido amigo, a luz à tua alma e a paz à tua vida!
(Espírito Júlio Diniz - médium: Fernando de Lacerda - Obra: Do País da Luz)
Nota do compilador: Júlio Diniz foi o pseudônimo literário de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, romancista português (1839-1871). Suas obras que se situam entre o romantismo e o realismo são de linguagem simples e enredo casto, e se espelham nos meios burgueses e campesinos. As Pupilas do Senhor Reitor é de sua autoria.
Esta mensagem foi recebida em 1906.
A noite era a maior; e Deus, nosso Pai, queria, com aquele nascimento na maior noite, dizer ao homem que era aquele Filho seu a luz maior para dissipar a mais dilatada treva.
A civilização, feita de comodismos e vaidades, vai rindo das coisas que eram o encanto dos nossos avós, e que constituíam os mais belos reflexos da crença e do amor. Hoje, só nos recantos ignorados da nossa província se festeja sincera e devotamente a grande noite.
Só lá se reúnem os parentes ausentes, para quinhoarem a consoada, fazerem a meia noite e irem assistir devotamente ao nascimento do Menino como se em verdade ele nascesse no humilde presbitério, caiadinho de branco e recendendo a incenso, perdido no centro da povoação, como sentinela vigilante contra a heresia civilizada.
Lá vão todos, cantando e folgando, como quem vai para a festa maior, depois de, nas suas salas e nos seus eirados, terem passado revista amistosa às suas famílias, deixando cair uma lágrima de saudade pelo ausente que a distância conservou afastado, ou que a morte afastou para sempre daquela consoladora cerimônia.
Ali, naquele meio, onde as filosofias ainda não chegaram, ainda não há pejo de se confessar em voz alta a crença em Deus. Não se presumirá quem seja o Deus que adoram, nem o Jesus de que festejam o nascimento; mas sabem, na simplicidade da sua alma, que aquele menino que vão ver nascer é a paz do seu lar e da sua consciência, que é por ele que ali estão reunidos, e que é a ele que se apegam nas suas dores; que é a ele que encarregam de velar pelo filho, pelo pai ou pelo irmão ausente e é dele que esperam o pão e a salvação. Às almas boas isso lhes basta. Essa fé encontraram ao entrar no mundo, e essa fé desejam legar ao sair dele.
Não conheci na Terra coisa tão tocante como a noite de natal provinciana. É o momento único da família. Os ausentes, naquele momento, deixam de pensar nos seus interesses, nas suas mágoas pessoais, para enviarem um pensamento de saudade e de ternura aos seus velhinhos de cabelos alvos como estrigas de linho, que naquele mesmo momento rezam por esses ausentes, alheando-se de si próprios, na magoada saudade de os não verem, e no tímido receio de que a neve, que lhes cobre os cabelos, desça ao coração sem que eles voltem a abençoá-los em nome de Deus.
Momentos de recordação e de saudade, em que os risos têm a placidez dos justos, e as lágrimas a suavidade do amor puro. Todos se lembram, todos se reúnem em pensamento ou em corpo, em nome de Jesus, para lhe festejarem mais um nascimento.
Ali estão todos, à luz mortiça do braseiro, a recordar, a rir ou a rezar, consoante o sentimento que domina a família toda, na mais tocante comunhão de afetos. E tudo suavemente, e tudo tranqüilamente, como se a suavidade humilde e divina do Mestre tivesse baixado a envolver na luz morna do seu afeto aqueles que, em nome dele, ali se acham reunidos.
Nas cidades, onde o silvo do vapor, o rugido dos enormes monstros d'aço e ferro, o fumo das chaminés, a celeridade do movimento, a luta pela vida, a moda da civilização, empederniu o coração humano, ou, pelo menos, o embotou pelo egoísmo ou o perverteu pela vaidade, não se conhecem aqueles deliciosos momentos, e alcunham de pieguice condenável o que de bom existe no organismo humano - o sentimento.
Como eu os lamento! Como são dignos de lástima na sua ignorância ou na sua inconsciência!Natal! Natal! Nasceu o Redentor!
Que ele dê a paz ao mundo, e a ti, meu querido amigo, a luz à tua alma e a paz à tua vida!
(Espírito Júlio Diniz - médium: Fernando de Lacerda - Obra: Do País da Luz)
Nota do compilador: Júlio Diniz foi o pseudônimo literário de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, romancista português (1839-1871). Suas obras que se situam entre o romantismo e o realismo são de linguagem simples e enredo casto, e se espelham nos meios burgueses e campesinos. As Pupilas do Senhor Reitor é de sua autoria.
Esta mensagem foi recebida em 1906.