Sábado , 19 de Junho DE 2010

COLHENDO A MAÇÃ

No principio do século V, o debate sofre o sofrimento humano centrou-se nos bebês  recém-nascidos, que obviamente não haviam cometido ainda qualquer pecado. Se não havia pecado, por que alguns nasciam com deficiências, ou poucos inteligentes, enquanto outros eram normais? A Igreja rejeitara a resposta de Orígenes a esta pergunta: os seus destinos eram resultados direto de suas ações no passado. Por isso tiveram que providenciar outra resposta para a mesma questão: por que os bebês inocentes( e as pessoas boas em geral) sofrem e morrem?

Os primeiros teólogos contemplavam a ideia de que o estado lamentável da condição humana relacionava-se, de alguma forma,  com a Queda de Adão e Eva no Paraíso. Mas foi Santo Agostinho (354-430) que apanhou do chão  esta maçã empoeirada, limpou-a em seu manto de bispo e transformou-a naquilo que ainda hoje é fundamento da teologia cristã – o pecado original.

Coisas más acontecem às pessoas boas porque todas as pessoas são más por natureza, dizia Agostinho, e à única oportunidade para se recuperarem desta maldade natural era alcançar a graça de Deus através da Igreja. Como escreveu: “Ninguém será bom, se antes não tiver sido mau”.

Embora a Igreja tenha, desde então, rejeitado alguns dos argumentos de Agostinho, o catecismo católico ainda nos diz: “Não podemos interferir com a revelação do pecado original sem minarmos o mistério do Cristo”. O pecado original está intimamente vinculado ao Cristo, afirma a Igreja, pois é o Cristo que nos liberta do pecado original.

Agostinho acreditava que Adão e Eva viviam num estado de imortalidade física. Não teriam morrido nem envelhecido se não tivessem provado do fruto proibido e, assim, perdido o privilégio da graça divina. Depois da sua queda, as pessoas passaram a sofre, envelhecer e morrer.

De acordo com Agostinho, a vinda do Cristo deu-nos a oportunidade de restabelecermos o estado de graça. Ele atuaria como um mediador entre o Pai e uma criação desobediente. Embora a intercessão  do Cristo não salvasse da morte física, permitira o seu retorno ao estado de imortalidade física através da ressurreição do corpo. A graça não impediria que coisas más acontecessem às pessoas na Terra, mas garantiria a sua imortalidade após a morte.

A principal implicação do pecado original é que, como descendente de Adão, temos também  a sua natureza imperfeita. “O homem... não tem poder de ser bom”, escreve Agostinho. Ele acreditava  que somos tão capazes de fazer o bem como um macaco de falar. Só podemos fazer o bem através da graça. (as ideias de Agostinho, levadas ao extremo, provavelmente induziram as pessoas a pecar. “Não posso fazer nada” seria uma boa desculpa).

A abordagem de Agostinho sobre o sexo deixou profundas marcas na nossa civilização. Mais do que qualquer outro, foi responsável  pela ideia de que o sexo é inerentemente mau. A seu ver, o sexo, era indicação mais visível do estado caído do homem, ele via o desejo sexual como a “prova” e o “castigo” pelo pecado original.

 

MOSTRE-ME NA BIBLIA

Muitas pessoas  reagem à ideia do pecado original com descrença. Ele não existe em parte alguma da bíblia, dizem.

Agostinho encontrou apoio para sua doutrina nas Escrituras, em Romanos 5:12. Na nova tradução Revista, o versículo diz: “O pecado veio ao mundo através do homem, e a morte veio através do pecado, e a morte espalhou-se por todos porque todos havia pecado”.

A versão que Agostinho possuía deste versículo havia sido mal traduzido. Ele não lia grego, a língua original do Novo Testamento, por isso usou a tradução em latim, agora conhecida como Vulgata. Nela lemos na segunda parte deste versículo: “E assim, a morte espalhou-se por todos os homens, através de um homem, através do qual todos os homens pecaram”. Agostinho  conclui que “através do qual” referia-se a Adão e que, de alguma forma, todas as pessoas havia pecado quando Adão pecou.

Fez de Adão uma personalidade que incorporava a natureza de todos os homens futuros, transmitida através de seu sêmen. Agostinho escreveu: “Todos nós estávamos naquele homem”. Embora  não tivéssemos ainda uma forma física, “a natureza seminal pela qual seriamos propagado já se encontrava ali”.

Por isso todos os descendentes de Adão seriam corruptos e condenáveis, porque estavam presentes dentro dele(como sêmen) quando pecou. Agostinho descreveu o pecado como algo que fora “contraído” e que se espalhara pela raça humana como uma doença venérea. Jesus ficou isento do pecado original porque, de acordo com os ortodoxos, foi concebido sem sêmen.

Agostinho concluiu que, como resultado do pecado de Adão,  toda a raça humana era um “comboio do mal” dirigindo-se para “destruição pela segunda morte”. Com exceção, é claro, daqueles que conseguem alcançar a graça divina através da igreja.

 

A CONTROVÉRSIA DO BEBÊ

A doutrina de Agostinho sobre o pecado original gerou uma discussão sobre o batismo infantil. A pergunta central era: O QUE ACONTECE AOS BEBÊS QUE MORRESSEM SEM TEREM SIDO BATIZADOS? VÃO PARA O CÉU OU PARA O INFERNO?

Parecia difícil acreditar que Deus os mandaria para o inferno, uma vez que não tinham cometido qualquer pecado. Mas, se fossem mandados para o céu, porque então precisariam ser batizados? Na verdade, por que alguém precisa ser batizado? Esta controvérsia ameaçava grandemente a autoridade da igreja.

Na época de Agostinho, muitas pessoas adiavam o batismo até a idade adulta, pela mesma razão que Constantino adiara o seu batismo, cerca de um século antes. Não queriam perder a oportunidade de se libertar de todos os pecados. Alem disso, não apreciavam  a ideia de fazer penitência pública, exigida pela igreja para pecados cometidos depois do batismo.

Agostinho foi capaz de convencer a cristandade de que todas as crianças precisavam ser batizadas, porque haviam sido maculadas pelo pecado origina. Como os bebês não haviam cometidos pecado algum, ele escreveu: “Só resta o pecado original” para explicar o seu sofrimento. A menos que os bebês sejam batizados, “correm perigo de danação” – de irem para o inferno – alertava ele.

Durante a vida de Agostinho esta doutrina transformou-se numa terrível ameaça para os pais, como vemos na seguinte história, relatada por ele 1 a sua congregação; uma mãe  estava desesperada porque seu filho havia morrido sem ser batizado. Levou o corpo da criança para o santuário de Santo Estevão. A criança ressuscitou milagrosamente, foi batizada e morreu outra vez. A mãe aceitou esta segunda morte com muito mais resignação, pois agora estava certa de que seu filho seria poupado da dor eterna do inferno.

O medo da danação das crianças persiste até hoje. Pouco antes do dia 06 de Junho de 1996, milhares de mulheres colombianas encheram as igrejas de Bogotá  exigindo que seus filhos fossem batizados. Temiam que, se as crianças não fossem protegidas pelo batismo, ficariam vulneráveis ao Anticristo, cuja vinda estava sendo anunciada para breve. Este rumor surgiu a partir de uma predição feita por uma seita fundamentalista cristã.

 

VENDENDO A MAÇÃ

Fazer com que a igreja engolisse a pílula amarga do pecado original não foi uma tarefa fácil. Mas Agostinho devotou 20 anos a este fim. Depois da sua conversão ao Cristianismo, deixou a Itália  e retornou a África, tornando-se bispo no porto marítimo de Hippo Regius, no norte da África, hoje Algéria. Começou a escrever cartas e tratados, que enviava pelos navios carregados de milho que se dirigiam ao já decadente Império Romano. Instalado em segurança entre os olivais e vinhedos férteis, enfrentava bispos e influenciava papas e concílios da igreja.

Combateu com eficácia as ideias de João Crisóstomo, patriarca de Constantinopla (347-407), que dizia que não deveríamos ser acusados dos pecados cometidos por Adão. Crisóstomo afirmava que, quando alguma coisa de mal acontecia, era uma punição pelos nossos próprios pecados, e não pelos pecados de Adão. Embora a sua argumentação fosse lógica, não explicava as iniquidades da vida – incluindo o sofrimento dos bebês inocentes.

A explicação de Agostinho para o pecado original tinha certa consistência e moldava-se perfeitamente à imagem de Deus como um imperador criado por Constantino. Agostinho escreveu: “Deus, o mais alto governante do universo, decretou com justiça que nós, que descendemos da primeira união, nascêssemos na ignorância e nas adversidades e sujeitos à morte, pois eles (Adão e Eva) pecaram e foram lançados no meio do erro, das dificuldades e da morte”.

O maior oponente de Agostinho foi o teólogo britânico Pelágio (354-418) que considerava o conceito de pecado original absurdo. Ele não podia compreender uma crença que dizia que os homens eram maus por natureza e incapazes de se aperfeiçoar. Pelágio, como Ário, acreditava que o homem tinha um destino mais elevado. Escreveu: “Não existe uma exortação mais premente do que esta: que devemos ser chamados filhos de Deus”.

Mas Agostinho conseguiu convencer o papa e Honório, governante da metade do império, a excomungar Pelágio (que vivia em Roma) e a envia-lo para o exílio, junto com seus seguidores. Pelágio morreu pouco tempo depois. Mas um dos seus seguidores, Juliano, o jovem bispo italiano de Eclanum, continuou a luta no exílio, na Ásia Menor. Juliano e Agostinho trocaram mísseis de pergaminho através do Mediterrâneo, de 418 até a morte de Agostinho, em 430. Agostinho, porem, já havia vencido.

Juliano perdeu a batalha por não conseguir defender a justiça Divina que permitia o sofrimento dos bebês.

Agostinho argumentava que se Deus era justo e as pessoas eram boas, por que os bebês deveriam sofrer? Mais especificamente, por que Deus permitiria que as almas dos bebês fossem “atormentadas nesta vida pelas aflições da carne”.

Disse Juliano: “É preciso responder que tão grande inocência às vezes nasce cega, “surda” ou “retardada””. A única explicação, acreditava, era o pecado original que os pais da criança lhe haviam “transmitido”.

Juliano contra-atacou perguntando por que um Deus justo condenaria uma criança a sofrer pelos “pecados dos outros” (os de Adão), que contraíra “sem saber nem querer”.

Agostinho respondeu: “Se não existiu o pecado (original), então os bebês... não sofreriam nenhum mal no corpo ou na alma, sob o grande poder do Deus justo”. Se alguém liberta as crianças do pecado original, este individuo esta acusando Deus  de ser injusto. “Ambos percebemos a punição”, escreveu Agostinho a Juliano, “mas vós que dizeis que não foram os pais que transmitiram algo que mereça castigo – quando ambos concordamos que Deus é justo – precisais provar se fordes capazes, que existe num bebê alguma culpa que mereça punição”.

A menos que recorresse à reencarnação, Juliano não poderia provar que as crianças tinham feito algo que justificasse os “castigos”que sofriam. Por isso a igreja acabou rejeitando os argumentos de Juliano.

Agostinho conhecia bem o conceito de reencarnação. Em seus 9 anos como maniqueísta, provavelmente aceitou a ideia, pois era um dos princípios fundamentais daquela fé. Sabemos que alguns dos seus oponentes no debate sobre o pecado original sugeriram a reencarnação como uma explicação alternativa para o sofrimento humano.

Mas Agostinho – e finalmente a igreja – rejeitou imediatamente a reencarnação. Disse que era uma “ideia revoltante” considerar que almas precisassem “retornar novamente ao jugo da carne corrupta para pagar as penas do tormento”. Aparentemente, Agostinho achava que o tormento do inferno e da segunda morte eram preferíveis aos “tormentos” da “carne corrupta”.

A controvérsia sobre o pecado original foi resolvida no ano de 529, quando o Concilio de Orange aceitou a doutrina do pecado original elaborada por Agostinho. O concilio  declarou que o pecado de Adão corrompera o corpo e alma de toda a raça humana e que o pecado e a morte eram resultado da desobediência de Adão.

Texto retirado do livro Reencarnação – o elo perdido do Cristianismo. De Elizabeth Clare Prophet.

publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 00:01
Quarta-feira , 09 de Junho DE 2010

A CARIDADE

Ao encontro das religiões exclusivistas, que tomaram por preceito: Fora da Igreja não há salvação, como se, pelo seu ponto de vista puramente humano, pudessem decidir da sorte dos seres na vida futura, Allan Kardec colocou as seguintes palavras no frontispício das suas obras: Fora da caridade não há salvação. Efetivamente, os Espíritos ensinam-nos que a caridade é a virtude por excelência e que só ela nos dá a chave dos destinos elevados.

 

“É necessário amar os homens”, assim repetem eles as palavras em que o Cristo havia condensado todos os mandamentos da lei mosaica.

 

Mas, objetam, os homens não se amam. Muita maldade aninha-se neles, e a caridade é bem difícil de praticar a seu favor.

 

Se assim os julgamos, não será porque nos é mais agradável considerar unicamente o lado mau de seu caráter, de seus defeitos, paixões e fraquezas, esquecendo, muitas vezes, que disso também não estamos isentos, e que, se eles têm necessidade da nossa caridade, nós não precisamos menos da sua indulgência?

 

Entretanto, não é só o mal que reina no mundo. Há no homem também boas qualidades e virtudes, mas há, sobretudo, sofrimentos. Se desejarmos ser caritativos, como devemos sê-lo em nosso próprio interesse e no da ordem social, não deveremos inclinar-nos a apreciações sobre os nossos semelhantes, à maledicência, à difamação; não deveremos ver no homem mais que um companheiro de provas ou um irmão na luta pela vida, Vejamos os males que ele sofre em todas as classes da sociedade. Quem não oculta um queixume, um desgosto no fundo da própria alma; quem não suporta o peso das mágoas, das amarguras? Se nos colocássemos neste ponto de vista para considerar o próximo, em breve nossa malquerença transformar-se-ia em simpatia.

 

Ouvem-se, por exemplo, muitas vezes, recriminações contra a grosseria e as paixões brutais das classes operárias, contra a avidez e as reivindicações de certos homens do povo. Reflete-se então maduramente sobre a triste educação recebida, sobre os maus exemplos que os rodearam desde a infância? A carestia da vida, as necessidades imperiosas de cada dia impõem-lhes uma tarefa pesada e absorvente. Nenhum descanso, nenhum tempo existe para esclarecer-lhes a inteligência. São-lhes desconhecidas as doçuras do estudo, os gozos da arte. Que sabem eles sobre as leis morais, sobre o seu próprio destino, sobre o mecanismo do Universo? Poucos raios consoladores se projetam nessas trevas. Para esses, a luta terrível contra a necessidade é de todos os instantes. A crise, a enfermidade e a negra miséria os ameaçam, os inquietam sem cessar. Qual o caráter que não se exasperaria no meio de tantos males? Para suportá-los com resignação é preciso um verdadeiro estoicismo, uma força d’alma tanto mais extraordinária quanto mais instintiva for. Em vez de atirar pedras contra esses infortunados, empenhemo-nos em aliviar seus males; em enxugar suas lágrimas, em trabalhar com ardor para que neste mundo se faça uma distribuição mais equitativa dos bens materiais e dos tesouros do pensamento. Ainda não se conhece suficientemente o valor que podem ter sobre esses infelizes uma palavra animadora, um sinal de interesse, um cordial aperto de mão. Os vícios do pobre desgostam-nos e, entretanto, que desculpa ele não merece por causa da sua miséria! Mas, em vez de desculpá-los, fazemos por Ignorar suas virtudes, que são muito mais admiráveis pelo simples fato de surgirem do lodaçal.

 

Quantas dedicações obscuras entre esses pobres! Quantas lutas heroicas e perseverantes contra a adversidade! Meditemos sobre as inumeráveis famílias que medram sem apoio, sem socorro; pensemos em tantas crianças privadas do necessário, em todas essas criaturas que tiritam de frio e fome dentro de úmidos e sombrios albergues ou nas mansardas desoladas. Quantos encargos para a mulher do povo, para a mãe de família em tais condições, assim que o inverno cobre a terra, quando a lareira está sem fogo, a mesa sem alimentos e o leito gelado, com farrapos substituindo o cobertor vendido ou hipotecado em troca de um bocado de pão! Seu sacrifício não será de todos os momentos? E, no entanto, seu pobre coração comove-se à vista das dores do próximo! Não deveria o ocioso opulento envergonhar-se de ostentar riquezas no meio de tantos sofrimentos? Que responsabilidade esmagadora para ele, se, no seio da sua abundância, esquece esses a quem oprime!

 

Sem dúvida, muitas coisas repugnantes, muitas imundícies misturam-se às cenas da vida dessas criaturas. Queixumes e blasfêmias, embriaguez e alcovitice, crianças desapiedadas e pais cruéis, todas essas deformidades aí se confundem; mas, ainda assim, sob esse exterior repelente, é sempre a alma humana que sofre, a alma nossa irmã, cada vez mais digna de interesse e de afeição.

 

Arrancá-la desse pântano lodoso, reaquecê-la, esclarecê-la, fazendo-a subir de degrau em degrau a escada da reabilitação, eis a grande tarefa!

 

Tudo se purifica ao fogo da caridade. Era esse logo que abrasava o Cristo, Vicente de Paulo, Fénelon e muitos outros. Era no seu Imenso amor pelos fracos e desamparados que também se encontrava a origem da sua abnegação sublime.

 

Sucede o mesmo com todos os que têm a faculdade de muito amar e de muito sofrer. Para eles, a dor é como que uma iniciação na arte de consolar e aliviar os outros. Sabem elevar-se acima dos seus próprios males para só verem os de seus semelhantes e para procurar remediá-los. Daí, os grandes exemplos dessas almas eminentes que, assediadas por tormentos, por agonia dolorosa, encontram ainda os meios de curar as feridas dos que se deixam vencer no combate da vida.

 

A caridade, porém, tem outras formas pelas quais se exerce, independente da solicitude pelos desgraçados. A caridade material ou a beneficência podem aplicar-se a certo número dos nossos semelhantes, sob a forma de socorro, apoio e animação. A caridade moral deve abranger todos os que participam da nossa existência neste mundo. Não mais consiste em esmolas, porém, sim, numa benevolência que deve envolver todos os homens, desde o mais bem dotado em virtude até o mais criminoso, e bem assim regular as nossas relações com eles.

 

A verdadeira caridade é paciente e indulgente. Não se ofende nem desdenha pessoa alguma; é tolerante e, mesmo procurando dissuadir, o faz sempre com doçura, sem maltratar, sem atacar idéias enraizadas.

 

Esta virtude, porém, é rara. Um certo fundo de egoísmo leva-nos, muitas vezes, a observar, a criticar os defeitos do próximo, sem primeiro repararmos nos nossos próprios. Existindo em nós tanta podridão, empregamos ainda a nossa sagacidade em fazer sobressair as qualidades ruins dos nossos semelhantes. Por Isso não há verdadeira superioridade moral, sem caridade e modéstia. Não temos o direito de condenar nos outros as faltas a que nós mesmos estamos expostos; e, embora a elevação moral já nos tenha isentado dessas fraquezas, devemos lembrar-nos de que tempo houve quando nos debatíamos contra a paixão e o vicio.

 

Há poucos homens que não tenham maus hábitos a corrigir, Impulsos caprichosos a modificar. Lembremo-nos de que seremos julgados com a mesma medida de que nos servirmos para com os nossos semelhantes. As opiniões que formamos sobre eles são quase sempre reflexo da nossa própria natureza. Sejamos mais prontos a escusar do que a censurar. Muitas vezes nos arrependemos de um julgamento precipitado. Evitemos, portanto, qualquer apreciação pelo lado mau.

 

Nada é mais funesto para o futuro da alma do que as más intenções, do que essa maledicência Incessante que alimenta a maior parte das conversas.

 

O eco das nossas palavras repercute na vida futura, a atmosfera dos nossos pensamentos malignos forma uma espécie de nuvem em que o Espírito é envolvido e obumbrado. Abstenhamo-nos dessas criticas, dessas apreciações dolosas, dessas palavras zombeteiras que envenenam o futuro. Acautelemo-nos da maledicência como de uma peste; retenhamos em nossos lábios qualquer palavra mordaz que esteja prestes a ser proferida, porque de tudo Isso depende a nossa felicidade.

 

O homem caridoso faz o bem ocultamente; e, enquanto este encobre as suas boas ações, o vaidoso proclama o pouco que faz. “Que a mão esquerda ignore o que faz a direita”, disse Jesus. “Aquele que fizer o bem com ostentação já recebeu a sua recompensa.”

 

Beneficiar ocultamente, ser Indiferente aos louvores humanos, é mostrar uma verdadeira elevação de caráter, é colocar-se acima dos julgamentos de um mundo transitório e procurar a justificação dos seus atos na vida que não acaba.

 

Nessas condições, a ingratidão e a Injustiça não podem atingir aquele que fora caritativo. Ele faz o bem porque é do seu dever e sem esperar nenhuma recompensa. Não procura auferir vantagens; deixa à lei o cuidado de fazer decorrer as consequências dos seus atos, ou, antes, nem pensa nisso. É generoso sem cálculo. Para tornar-se agradável aos outros, sabe privar-se do que lhe é necessário, plenamente convencido de que não terá nenhum mérito dispondo do que for supérfluo.

 

Eis por que o óbolo do pobre, o denário da viúva, o pedaço de pão que o proletário divide com seu companheiro de infortúnio têm mais valor que as larguezas do rico. Há mil maneiras de nos tornarmos úteis, de irmos em socorro dos nossos irmãos. O pobre, em sua parcimônia, pode ainda ir em auxílio de outro mais necessitado do que ele. Nem sempre o ouro seca todas as lágrimas ou cura todas as feridas. Há males sobre os quais uma amizade sincera, uma ardente simpatia ou uma afeição operam melhor que todas as riquezas.

 

Sejamos generosos com esses que têm sucumbido na luta das paixões e foram desviados para o mal, sejamos liberais com os pecadores, com os criminosos e endurecidos. Porventura sabemos quais as fases cruéis por que eles passaram, quais os sofrimentos que suportaram antes de falir?

 

Teriam essas almas o conhecimento das leis superiores como sustentáculo na hora do perigo? Ignorantes, irresolutas, agitadas pelo sopro da desgraça, poderiam elas resistir e vencer? Lembremo-nos de que a responsabilidade é proporcional ao saber e que muito será pedido àquele que já possui o conhecimento da verdade. Sejamos piedosos para com os que são pequenos, débeis ou aflitos, para com esses a quem sangram as feridas da alma ou do corpo. Procuremos os ambientes onde as dores fervilham, os corações se partem, onde as existências se esterilizam no desespero e no esquecimento. Desçamos aos abismos da miséria, a fim de levar consolações animadoras, palavras que reconfortem, exortações que vivifiquem, a fim de fazer luzir a esperança, esse sol dos infelizes. Esforcemo-nos por arrancar daí alguma vítima, por purificá-la, salvá-la do mal, abrir-lhe uma via honrosa. Só pelo devotamento e pela afeição encurtaremos as distâncias e preveniremos os cataclismos sociais, extinguindo o ódio que transborda do coração dos deserdados.

 

Tudo o que fizermos pelos nossos irmãos gravar-se-ão grande livro fluídico, cujas páginas se expandem através do espaço, páginas luminosas onde se inscrevem nossos atos, nossos sentimentos, nossos pensamentos. E esses créditos ser-nos-ão regiamente pagos nas existências futuras.

 

Nada fica perdido ou esquecido. Os laços que unem as almas na extensão dos tempos são tecidos com os benefícios do passado. A sabedoria eterna tudo dispôs para bem das criaturas. As boas obras realizadas neste mundo tornam-se, para aquele que as produziu, fonte de infinitos gozos no futuro.

 

A perfeição do homem resume-se a duas palavras:

 

Caridade e Verdade. A caridade é a virtude por excelência, pois sua essência é divina. Irradia sobre os mundos, reanima as almas como um olhar, como um sorriso do Eterno. Ela se avantaja a tudo, ao sábio e ao próprio gênio, porque nestes ainda há alguma coisa de orgulho, e às vezes são contestados ou mesmo desprezados. A caridade, porém, sempre doce e benevolente, reanima os corações mais endurecidos e desarma os Espíritos mais perversos, inundando-os com o amor.

 

Leon Denis

Depois da Morte

publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 03:32
Terça-feira , 08 de Junho DE 2010

NASCIDO DE UMA VIRGEM

 

 

 

 

Era costume muito comum de nossos antepassados colocar seus heróis como provindos de nascimentos sobrenaturais, cujas mães eram invariavelmente jovens virgens. Ocorrência que também podemos verificar na mitologia de muitos dos povos da antiguidade. Falavam de deuses que em contato com jovens virgens, davam origem a semideuses que assumiam a condição de ser humano e divino ao mesmo tempo.

 Carlos Torres Pastorino, vol. 1, publicação da revista mensal SABEDORIA, 1964.

 

 

 

Ora, é um fato perfeitamente natural, até mesmo por esses fatores culturais, querer atribuir a Jesus essa condição de nascimento sobrenatural e, como não poderia deixar de ser, nascido de uma virgem. O que não é natural é querer manter a todo custo essa visão ingênua até os dias de hoje.

Por outro lado, a Igreja de Roma sempre quis colocar o sexo como coisa impura, e em vista disso, Jesus não poderia ter vindo de forma "impura", não é mesmo? Justifica, de certa maneira, o celibato sacerdotal, ou seja, os "santos" padres não poderiam praticar coisa considerada impura, assim não poderiam se casar. Outro fator, que veio em apoio ao celibato, foi a questão da herança dos padres, que se casados não seriam incorporadas ao patrimônio da Igreja, já que teria que ficar com os familiares. Bom, mas isso é uma outra questão, assim voltemos ao assunto central do texto.

Sempre dissemos que por ser Jesus o primogênito, evidentemente, e pelo contexto cultural da época, já que viviam numa sociedade extremamente machista, Maria ao se casar com José era indubitavelmente virgem, assim podemos considerar Jesus como realmente nascido de uma virgem.

Não foi nossa surpresa que ao lermos, recentemente, o livro "Sabedoria do Evangelho", de Carlos Torres Pastorino, esse erudito teólogo desenvolve o mesmo argumento, senão vejamos:

A profecia de Isaías afirma que uma virgem conceberá e dará à luz um filho. O termo virgem merece ser estudado.

Em hebraico há duas palavras: betulân, que especificava a virgindade como certa; e almâh que exprimia uma oposição, sem garanti-la. Ora, Isaías escreve exatamente almáh. E verificamos que, em Deut. 22:23, a noiva, e mesmo a esposa recém-casada era chamada ne'arah betulâh.

Em grego a palavra exprime o mesmo: virgem, mas em sentido genérico tanto que as moças noivas e também as recém-casadas eram assim chamadas, e isso na própria Bíblia (cfe. Deut. 22:23; 1 Reis 1:2; Ester 2:3). Em todas essas passagens, a palavra virgem designa a moça que é dada a alguém para deitar-se com ele, supondo-se que se trata de uma virgem, isto é, de moça ainda não ligada pelo casamento a um homem.

A mesma designação é atribuída a Maria, demonstrando que, ao lhe ser dada como noiva, era virgem, o que é natural e normal. No entanto, em nenhum local dos Evangelhos se diz, nem se supõe, que Maria continuou Virgem depois. Ela era virgem quando concebeu, o que de modo geral ocorre com todas as moças.

Esses nossos esclarecimentos não visam a diminuir o respeito e a veneração que todos temos pela Mãe Santíssima de Jesus, pois o fato da virgindade nenhuma importância apresenta diante da espiritualidade.

Outra coisa que sempre falávamos é quanto à questão do sexo ser impuro. Não admitimos essa hipótese de maneira alguma, já que foi Deus que fez o ser humano em duas polaridades; a masculina e a feminina, com órgãos sexuais diferentes. Pensamos que se o sexo for realmente "pecado", devemos convir que Deus não foi muito justo conosco, pois além de criá-lo ainda por cima coloca prazer no ato sexual, mas de "espada em punho" diz: Se fizer é pecado ou Se fizer é coisa impura. Absurdo teológico, que encontra campo fértil somente em cabeça de fanáticos, não de pessoas dadas a utilizar a inteligência, de que Deus dotou o raça humana.

Vejamos os argumentos de Pastorino:

A IMPOSIÇÃO DIVINA do uso do sexo para manutenção e multiplicação de Sua criação, nos diversos estágios evolutivos (plantas, animais e homens) vem provar que o sexo é SANTO. Não podemos admitir que Deus, Sábio e Bom, tivesse imposto obrigatoriamente as Suas criaturas uma condição que, ao cumpri-la, as tornasse imperfeitas. Se no ato sexual houvesse uma leve imperfeição sequer, ou um sinal de atraso espiritual, esse Deus seria monstruosamente mau, pois teria obrigado Sua criação a ser imperfeita e atrasada, a fim de manter e multiplicar Suas obras. Portanto, compreendendo o ato sexual em si e a maternidade como perfeições altamente espiritualizantes (porque são o cumprimento de uma Lei Divina), achamos que Maria se engrandece perante Deus com a maternidade normal, porque assim dá demonstração de ser fiel e obediente cumpridora da Vontade Divina. Compreendendo bem esse problema, o jesuíta padre Teilhard de Chardin atribui à sexualidade um sentido cósmico e afirma que o mundo não se diviniza por supressões, mas por sublimação, e ainda: que o homem e a mulher tanto mais se unirão a Deus, quanto mais se amarem, não vendo apenas o objetivo admirável mas transitório da reprodução, mas o de dar plena expansão à quantidade do amor, liberado do dever da reprodução. E diz claramente, sem subterfúgios: a mulher é, para o homem, o termo susceptível de impulsionar esse progresso para a frente. Pela mulher, e só pela mulher, pode o homem escapar ao isolamento, no qual sua própria perfeição se arriscaria prendê-lo. (L'énergie humaine, édition Seujl, pág. 93 a 96). Realmente a união sexual dentro do amor é a imagem mais fiel da união do homem com a Divindade, e por isso os místicos denominam essa unificação do homem com Deus de Esponsalício.

Na profecia de Isaías, o menino seria chamado , Himmanu-El, que significa Deus conosco, exprimindo a grande verdade de que Deus ESTA REALMENTE DENTRO DE NÓS, está CONOSCO.

 

A base teológica que usam para a defesa da virgindade perpétua de Maria é uma profecia atribuída ao profeta Isaías (7, 14) que diz: Eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e lhe chamará Emanuel". Essa profecia é tida como se fosse em relação à Jesus, assim sua mãe deveria ser uma virgem.

Vamos fazer uma análise dessa passagem para saber se realmente ela se refere a Jesus. Mas, antes temos que colocar o início do versículo para uma melhor compreensão da passagem, já que ele é sempre subtraído: Por isso, o Senhor mesmo vos dará um sinal, temos que concluir que Deus estava dando um sinal a alguém, mas quem e por que? Para saber vamos recorrer às informações constantes em nota de rodapé na Bíblia sobre esse episódio. Diz lá:

O reino do Norte (Efraim), cujo rei era Faceia, se aliou a Rason, rei de Aram, numa tentativa de se libertar do perigo assírio. Como o reino do Sul (Judá) não participou da coalizão entre o reino do Norte e Aram, estes dois temeram que Judá se tornasse aliado da Assíria; resolveram então atacar o reino do Sul, para destronar o rei Acaz e colocar no seu lugar o filho de Tabeel, rei de Tiro. Acaz teme o cerco e verifica a reserva de água da cidade. Isaías vai ao seu encontro e o tranqüiliza, mostrando que não haverá perigo, pois continua válida a promessa de que a dinastia de Davi será perene, desde que se coloque total confiança em Javé. O sinal prometido a Acaz é o seu próprio filho, do qual a rainha (a jovem) está grávida. Esse menino que está para nascer é o sinal de que Deus permanece no meio do seu povo (Emanuel = Deus conosco).

Assim, pelo contexto bíblico e de fato confirmado por essa nota, podemos observar que Deus promete um sinal ao rei Acaz e esse sinal é justamente o seu filho que está para nascer. Fora disso é distorcer a interpretação do texto. Além de que o fato é próximo e não uma previsão para um acontecimento num futuro longínquo, já que querem atribuir essa profecia a Jesus. E mais, o nome Jesus significa Deus é salvação, diferente de Emanuel (Deus conosco) que é o nome previsto na profecia, fato que o fanatismo cego não deixa muitos perceber.

Segundo a maioria dos estudiosos bíblicos, como um pouco antes, para exemplo, citamos Tourinho, o termo empregado é almah que significa Jovem mulher, não se trata, portanto, de virgindade no sentido físico.

Entendemos que algumas pessoas devem reformular o conceito que têm de moral, pois achar que a moral do homem está relacionada a seu órgão sexual é desvirtuar totalmente o significado dessa palavra. Ainda vamos mais longe, achamos que devemos passar por uma ampla revisão todos os conceitos teológicos do passado, já que muitos deles estão impregnados de um egoísmo eclesiástico incomum, onde verdades foram dobradas às conveniências religiosas que buscavam, a todo o custo, dominar a mente dos fiéis, quiçá era desejo dominar toda a humanidade. Intolerância, guerras, cruzadas, inquisição, etc. foram as armas utilizadas pelos religiosos do passado, apoiados pelos teólogos, para impor, a ferro e fogo, suas teorias completamente distorcidas dos ensinamentos de Cristo.

 

 

Paulo da Silva Neto Sobrinho

 

 

 

Bibliografia: "Bíblia Sagrada", Editora Vozes, 8ª Edição, 1989 e "Sabedoria do Evangelho",

publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 00:01
Segunda-feira , 07 de Junho DE 2010

OS HORRORES DA BIBLIA

 

Parte I

 

Para quem gosta de histórias de horror, a Bíblia é um prato cheio. Escondido no meio de milhares de versículos, podemos topar com cenas de arrepiar os cabelos.

 

Em Gênesis, por exemplo, encontramos um episódio, no mínimo, bizarro. Como todos sabem, Abraão foi o patriarca dos Hebreus. Com seu pai, sua mulher e seu sobrinho Lot, Abraão saiu da cidade de Ur, no baixo Eufrates. Encaminharam-se para Harrã, nas cabeceiras do mesmo rio, uma cidade santa dedicada ao culto de Sin, o deus-lua, o mais importante do panteão sumeriano. Depois, Lot se separou de Abraão e foi morar em Sodoma, a cidade do pecado.

 

Conta a Bíblia que, certa vez, Lot hospedou dois anjos em sua casa. À noite, alguns homens de Somorra bateram à porta de Lot e disseram-lhe que sabiam que ele tinha dois hóspedes e que eles, os homens de Sodoma, queriam ter relações sexuais com os visitantes. Quem duvidar que confira: Gênesis 19.

 

Lot ficou apavorado. Para acalmar os tarados, disse que tinha duas filhas virgens e que as daria para os homens, a fim de poupar seus hóspedes. Poderiam fazer o que quisessem com suas filhas.

 

Os homens de Sodoma não aceitaram a proposta e invadiram a casa. Então, os anjos cegaram os homens e mandaram Lot fugir de Sodoma, que seria destruída por Deus.

 

Os horrores continuam. Depois que fugiram de Sodoma, as filhas de Lot disfarçaram-se de prostitutas, embebedaram o pai com vinho e tiveram relações sexuais com ele, a fim de “preservar sua raça”. Das relações incestuosas nasceram Moab e Amon, patriarcas dos moabitas e dos amonitas, tribos árabes vizinhas de Israel.

 

Antes deste espetáculo grotesco, encontramos outra cena curiosa. O Deus bíblico de então, que ainda não tinha revelado seu nome aos hebreus (Iavé), disse a Abraão que iria destruir Sodoma. Assustado com a ameaça divina, Abraão pergunta a Deus o que faria se houvesse em Sodoma cinqüenta homens de bem. Deus disse que não destruiria a cidade, em respeito aos cinqüenta homens de bem. Abraão anima-se e começa a pechinchar com Deus. Pergunta o que Deus faria se houvesse apenas quarenta e cinco homens de bem. Deus atende à pechincha e diz que pouparia a cidade. Depois Abraão baixa para quarenta, e Deus concorda. No fim, Deus concorda em não destruir a cidade se encontrasse apenas dez homens de bem.

 

O que é assustador nesta conversa é a noção antropomórfica do Deus do Antigo Testamento. O Deus dos primeiros capítulos da Bíblia, embora seja todo-poderoso, criador dos céus e da terra, é uma figura humana, com pernas e braços, cabeça, e certamente uma respeitável barba. Possivelmente tem uma esposa e até uma residência que, de acordo com o velho testamento, é o Templo de Salomão, que, aliás, foi destruído por Tito Flávio Vesásiano há quase dois milênios.

 

Em outro local, depois que Adão e Eva cometeram o pecado original, sentem vergonha de Deus. Quando pressentem que Deus se aproxima, escondem-se dele atrás de um arbusto. Diz o texto sagrado que Deus estava aproveitando “a fresca da manhã”.

Este é o livro mais vendido no mundo, e o mais respeitado. Consta que foi escrito sob inspiração divina, como se o próprio Deus o tivesse escrito. Ele é tão respeitado que, em alguns tribunais, as pessoas fazem juramento com as mãos sobre a Bíblia. A explicação é simples. Embora a Bíblia seja livro mais vendido de todos os tempos, é também o menos lido.

 

Parte II

 

“Não matarás”, reza o sexto mandamento de Jeová (Êxodo 20:13). Segundo a tradição, a Bíblia foi escrita sob inspiração divina, como se o próprio Deus a tivesse escrito.

 

Se Deus é infinitamente bondoso, é inconcebível que ele cometa a mínima crueldade com qualquer ser humano. Assim pensam os que veneram a Bíblia. Veneram porque não a leram.

 

Este Deus, criador dos céus e da terra, não poderia ser bom para uns e mau para outros. No entanto, podemos encontrar na Bíblia um desfile de horrores, que nada fica a dever aos filmes de Frankenstein. Quem não acreditar, que confira.

 

No começo do segundo milênio AC, Jeová, o deus do Antigo Testamento, retira Abraão e sua família da cidade de Ur, na baixa Mesopotâmia, e dá-lhes de presente uma terra “onde corre leite e mel”, a lendária Canaã (Palestina).

 

Jeová, o mesmo que disse “não matarás”, diz, com todas as letras que, para se apossarem da terra que lhes foi ofertada, eles têm que aniquilar sete nações (Deuteronômio, 7:1-6): “Quando o senhor teu Deus te introduzir na terra à qual passará a possuir, e tiver lançado muitas nações diante de ti, os heteus, os girgaseus, os amorreus, os cananeus, os ferezeus, os heveus, os jebuseus, sete nações mais numerosas e mais poderosas do que tu; e o Senhor Deus as tiver dado diante de ti, para as ferir, totalmente as destruirá; não farás com elas aliança, nem terás piedade delas... Derribareis os seus altares, quebrareis suas colunas, cortareis os seus postes-ídolos e queimareis suas imagens de escultura”.

 

As ordens de Jeová são claras, como em Deuteronômio 7:16: “E tens que consumir todos os povos que Jeová, teu Deus,  te dá. Teu olho não deve ter pena deles...”.

 

Em Deuteronômio 13:15-16, o rol de barbaridades atinge o clímax: “Então, certamente, ferirás a fio de espada os moradores daquela cidade, destruindo-a completamente e tudo o que nela houver, inclusive os animais domésticos. Ajuntarás os despojos no meio da praça e a cidade e todo o seu despojo queimarás por oferta total ao Senhor, teu Deus, e será montão perpétuo de ruínas, e nunca mais se edificará”.

 

Estas barbaridades são apenas uma amostra do verdadeiro festival de horrores do Antigo Testamento. No entanto, mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo – católicos, protestantes, evangélicos e judeus – consideram este livro a voz de um Deus justo, bondoso, misericordioso, criador dos céus e da terra, que oferece aos homens a oportunidade de salvação eterna em um céu ou um paraíso.

 

Quantas pessoas foram mortas obedecendo as ordens de Jeová? Qual a quantidade de sofrimento causada pelo aniquilamento dessas nações?

Este mesmo Deus, tão misericordioso, não só pregou as barbaridades que são encontradas na Bíblia como, por meio de seus auto-designados representantes, ainda ameaça com a crueldade infinita do inferno àqueles que, embora tenham levado uma vida santa, esqueceram-se de ir à missa aos domingos ou deixaram de confessar o último pecado.

 

publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 00:01
Domingo , 06 de Junho DE 2010

CONVÍVIO NACIONAL DA CRIANÇA ESPÍRITA - PORTUGAL

 

A Associação Cultural e Beneficente Mudança Interior promoverá no dia 6 de junho, em Vale de Cambra, mais um encontro espírita voltado ao público infantil.

Chamado de Convívio Nacional da Criança Espírita (Concesp), o evento chega à sua 14ª edição tendo o tema “A família” como foco central de seus estudos. O Concesp ocorrerá no Pavilhão Ilídio Pedro, em Lordelo, com participação aberta a todos os inscritos nas Casas Espíritas daquela região e de outras partes do país.

Outros detalhes, pelo telefone 256 403 021, ou pelos correios eletrônicos:

 concesp 2010@gmail.com  

geral@acbmi.org.

publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 06:35

A CARIDADE

Ao encontro das religiões exclusivistas, que tomaram por preceito: Fora da Igreja não há salvação, como se, pelo seu ponto de vista puramente humano, pudessem decidir da sorte dos seres na vida futura, Allan Kardec colocou as seguintes palavras no frontispício das suas obras: Fora da caridade não há salvação. Efetivamente, os Espíritos ensinam-nos que a caridade é a virtude por excelência e que só ela nos dá a chave dos destinos elevados.

 

“É necessário amar os homens”, assim repetem eles as palavras em que o Cristo havia condensado todos os mandamentos da lei mosaica.

 

Mas, objetam, os homens não se amam. Muita maldade aninha-se neles, e a caridade é bem difícil de praticar a seu favor.

 

Se assim os julgamos, não será porque nos é mais agradável considerar unicamente o lado mau de seu caráter, de seus defeitos, paixões e fraquezas, esquecendo, muitas vezes, que disso também não estamos isentos, e que, se eles têm necessidade da nossa caridade, nós não precisamos menos da sua indulgência?

 

Entretanto, não é só o mal que reina no mundo. Há no homem também boas qualidades e virtudes, mas há, sobretudo, sofrimentos. Se desejarmos ser caritativos, como devemos sê-lo em nosso próprio interesse e no da ordem social, não deveremos inclinar-nos a apreciações sobre os nossos semelhantes, à maledicência, à difamação; não deveremos ver no homem mais que um companheiro de provas ou um irmão na luta pela vida, Vejamos os males que ele sofre em todas as classes da sociedade. Quem não oculta um queixume, um desgosto no fundo da própria alma; quem não suporta o peso das mágoas, das amarguras? Se nos colocássemos neste ponto de vista para considerar o próximo, em breve nossa malquerença transformar-se-ia em simpatia.

 

Ouvem-se, por exemplo, muitas vezes, recriminações contra a grosseria e as paixões brutais das classes operárias, contra a avidez e as reivindicações de certos homens do povo. Reflete-se então maduramente sobre a triste educação recebida, sobre os maus exemplos que os rodearam desde a infância? A carestia da vida, as necessidades imperiosas de cada dia impõem-lhes uma tarefa pesada e absorvente. Nenhum descanso, nenhum tempo existe para esclarecer-lhes a inteligência. São-lhes desconhecidas as doçuras do estudo, os gozos da arte. Que sabem eles sobre as leis morais, sobre o seu próprio destino, sobre o mecanismo do Universo? Poucos raios consoladores se projetam nessas trevas. Para esses, a luta terrível contra a necessidade é de todos os instantes. A crise, a enfermidade e a negra miséria os ameaçam, os inquietam sem cessar. Qual o caráter que não se exasperaria no meio de tantos males? Para suportá-los com resignação é preciso um verdadeiro estoicismo, uma força d’alma tanto mais extraordinária quanto mais instintiva for. Em vez de atirar pedras contra esses infortunados, empenhemo-nos em aliviar seus males; em enxugar suas lágrimas, em trabalhar com ardor para que neste mundo se faça uma distribuição mais equitativa dos bens materiais e dos tesouros do pensamento. Ainda não se conhece suficientemente o valor que podem ter sobre esses infelizes uma palavra animadora, um sinal de interesse, um cordial aperto de mão. Os vícios do pobre desgostam-nos e, entretanto, que desculpa ele não merece por causa da sua miséria! Mas, em vez de desculpá-los, fazemos por Ignorar suas virtudes, que são muito mais admiráveis pelo simples fato de surgirem do lodaçal.

 

Quantas dedicações obscuras entre esses pobres! Quantas lutas heroicas e perseverantes contra a adversidade! Meditemos sobre as inumeráveis famílias que medram sem apoio, sem socorro; pensemos em tantas crianças privadas do necessário, em todas essas criaturas que tiritam de frio e fome dentro de úmidos e sombrios albergues ou nas mansardas desoladas. Quantos encargos para a mulher do povo, para a mãe de família em tais condições, assim que o inverno cobre a terra, quando a lareira está sem fogo, a mesa sem alimentos e o leito gelado, com farrapos substituindo o cobertor vendido ou hipotecado em troca de um bocado de pão! Seu sacrifício não será de todos os momentos? E, no entanto, seu pobre coração comove-se à vista das dores do próximo! Não deveria o ocioso opulento envergonhar-se de ostentar riquezas no meio de tantos sofrimentos? Que responsabilidade esmagadora para ele, se, no seio da sua abundância, esquece esses a quem oprime!

 

Sem dúvida, muitas coisas repugnantes, muitas imundícies misturam-se às cenas da vida dessas criaturas. Queixumes e blasfêmias, embriaguez e alcovitice, crianças desapiedadas e pais cruéis, todas essas deformidades aí se confundem; mas, ainda assim, sob esse exterior repelente, é sempre a alma humana que sofre, a alma nossa irmã, cada vez mais digna de interesse e de afeição.

 

Arrancá-la desse pântano lodoso, reaquecê-la, esclarecê-la, fazendo-a subir de degrau em degrau a escada da reabilitação, eis a grande tarefa! Tudo se purifica ao fogo da caridade. Era esse logo que abrasava o Cristo, Vicente de Paulo, Fénelon e muitos outros. Era no seu Imenso amor pelos fracos e desamparados que também se encontrava a origem da sua abnegação sublime.

 

Sucede o mesmo com todos os que têm a faculdade de muito amar e de muito sofrer. Para eles, a dor é como que uma iniciação na arte de consolar e aliviar os outros. Sabem elevar-se acima dos seus próprios males para só verem os de seus semelhantes e para procurar remediá-los. Daí, os grandes exemplos dessas almas eminentes que, assediadas por tormentos, por agonia dolorosa, encontram ainda os meios de curar as feridas dos que se deixam vencer no combate da vida.

 

A caridade, porém, tem outras formas pelas quais se exerce, independente da solicitude pelos desgraçados. A caridade material ou a beneficência podem aplicar-se a certo número dos nossos semelhantes, sob a forma de socorro, apoio e animação. A caridade moral deve abranger todos os que participam da nossa existência neste mundo. Não mais consiste em esmolas, porém, sim, numa benevolência que deve envolver todos os homens, desde o mais bem dotado em virtude até o mais criminoso, e bem assim regular as nossas relações com eles.

 

A verdadeira caridade é paciente e indulgente. Não se ofende nem desdenha pessoa alguma; é tolerante e, mesmo procurando dissuadir, o faz sempre com doçura, sem maltratar, sem atacar idéias enraizadas.

 

Esta virtude, porém, é rara. Um certo fundo de egoísmo leva-nos, muitas vezes, a observar, a criticar os defeitos do próximo, sem primeiro repararmos nos nossos próprios. Existindo em nós tanta podridão, empregamos ainda a nossa sagacidade em fazer sobressair as qualidades ruins dos nossos semelhantes. Por Isso não há verdadeira superioridade moral, sem caridade e modéstia. Não temos o direito de condenar nos outros as faltas a que nós mesmos estamos expostos; e, embora a elevação moral já nos tenha isentado dessas fraquezas, devemos lembrar-nos de que tempo houve quando nos debatíamos contra a paixão e o vicio.

 

Há poucos homens que não tenham maus hábitos a corrigir, Impulsos caprichosos a modificar. Lembremo-nos de que seremos julgados com a mesma medida de que nos servirmos para com os nossos semelhantes. As opiniões que formamos sobre eles são quase sempre reflexo da nossa própria natureza. Sejamos mais prontos a escusar do que a censurar. Muitas vezes nos arrependemos de um julgamento precipitado. Evitemos, portanto, qualquer apreciação pelo lado mau.

 

Nada é mais funesto para o futuro da alma do que as más intenções, do que essa maledicência Incessante que alimenta a maior parte das conversas.

 

O eco das nossas palavras repercute na vida futura, a atmosfera dos nossos pensamentos malignos forma uma espécie de nuvem em que o Espírito é envolvido e obumbrado. Abstenhamo-nos dessas criticas, dessas apreciações dolosas, dessas palavras zombeteiras que envenenam o futuro. Acautelemo-nos da maledicência como de uma peste; retenhamos em nossos lábios qualquer palavra mordaz que esteja prestes a ser proferida, porque de tudo Isso depende a nossa felicidade.

 

*

 

O homem caridoso faz o bem ocultamente; e, enquanto este encobre as suas boas ações, o vaidoso proclama o pouco que faz. “Que a mão esquerda ignore o que faz a direita”, disse Jesus. “Aquele que fizer o bem com ostentação já recebeu a sua recompensa.”

 

Beneficiar ocultamente, ser Indiferente aos louvores humanos, é mostrar uma verdadeira elevação de caráter, é colocar-se acima dos julgamentos de um mundo transitório e procurar a justificação dos seus atos na vida que não acaba.

 

Nessas condições, a ingratidão e a Injustiça não podem atingir aquele que fora caritativo. Ele faz o bem porque é do seu dever e sem esperar nenhuma recompensa. Não procura auferir vantagens; deixa à lei o cuidado de fazer decorrer as consequências dos seus atos, ou, antes, nem pensa nisso. É generoso sem cálculo. Para tornar-se agradável aos outros, sabe privar-se do que lhe é necessário, plenamente convencido de que não terá nenhum mérito dispondo do que for supérfluo.

 

Eis por que o óbolo do pobre, o denário da viúva, o pedaço de pão que o proletário divide com seu companheiro de infortúnio têm mais valor que as larguezas do rico. Há mil maneiras de nos tornarmos úteis, de irmos em socorro dos nossos irmãos. O pobre, em sua parcimônia, pode ainda ir em auxílio de outro mais necessitado do que ele. Nem sempre o ouro seca todas as lágrimas ou cura todas as feridas. Há males sobre os quais uma amizade sincera, uma ardente simpatia ou uma afeição operam melhor que todas as riquezas.

Sejamos generosos com esses que têm sucumbido na luta das paixões e foram desviados para o mal, sejamos liberais com os pecadores, com os criminosos e endurecidos. Porventura sabemos quais as fases cruéis por que eles passaram, quais os sofrimentos que suportaram antes de falir? Teriam essas almas o conhecimento das leis superiores como sustentáculo na hora do perigo? Ignorantes, irresolutas, agitadas pelo sopro da desgraça, poderiam elas resistir e vencer? Lembremo-nos de que a responsabilidade é proporcional ao saber e que muito será pedido àquele que já possui o conhecimento da verdade. Sejamos piedosos para com os que são pequenos, débeis ou aflitos, para com esses a quem sangram as feridas da alma ou do corpo. Procuremos os ambientes onde as dores fervilham, os corações se partem, onde as existências se esterilizam no desespero e no esquecimento. Desçamos aos abismos da miséria, a fim de levar consolações animadoras, palavras que reconfortem, exortações que vivifiquem, a fim de fazer luzir a esperança, esse sol dos infelizes. Esforcemo-nos por arrancar daí alguma vítima, por purificá-la, salvá-la do mal, abrir-lhe uma via honrosa. Só pelo devotamento e pela afeição encurtaremos as distâncias e preveniremos os cataclismos sociais, extinguindo o ódio que transborda do coração dos deserdados.

 

Tudo o que fizermos pelos nossos irmãos gravar-se-ão grande livro fluídico, cujas páginas se expandem através do espaço, páginas luminosas onde se inscrevem nossos atos, nossos sentimentos, nossos pensamentos. E esses créditos ser-nos-ão regiamente pagos nas existências futuras.

 

Nada fica perdido ou esquecido. Os laços que unem as almas na extensão dos tempos são tecidos com os benefícios do passado. A sabedoria eterna tudo dispôs para bem das criaturas. As boas obras realizadas neste mundo tornam-se, para aquele que as produziu, fonte de infinitos gozos no futuro.

 

A perfeição do homem resume-se a duas palavras:

 

Caridade e Verdade. A caridade é a virtude por excelência, pois sua essência é divina. Irradia sobre os mundos, reanima as almas como um olhar, como um sorriso do Eterno. Ela se avantaja a tudo, ao sábio e ao próprio gênio, porque nestes ainda há alguma coisa de orgulho, e às vezes são contestados ou mesmo desprezados. A caridade, porém, sempre doce e benevolente, reanima os corações mais endurecidos e desarma os Espíritos mais perversos, inundando-os com o amor.

 

Leon Denis

Depois da Morte

publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 02:15
Sábado , 05 de Junho DE 2010

LEMBRANÇA DE VIDAS PASSADAS

Se outras vidas precederam o nascimento, por que delas perdemos a lembrança?

Como poderíamos expiar com proveito quando as faltas são esquecidas?

 

A lembrança não seria uma pesada bola presa aos nossos pés? Penosamente saídos das idades de furor e de bestialidade, como deve ter sido esse passado de cada um de nós!

Através as etapas transpostas, quantas lágrimas vertidas, quanto sangue derramado por nossos atos! Conhecemos o ódio e praticamos a injustiça. Que fardo moral seria esta longa perspectiva de faltas para espíritos ainda débeis e vacilantes!

E depois, a lembrança de nosso próprio passado não estaria ligada de maneira íntima às lembranças do passado dos outros? Que situação para o culpado, marcado pelo ferro em brasa, por toda a eternidade! Pela mesma razão, os ódios e os erros se perpetuariam, cavando divisões profundas, indeléveis, no seio desta humanidade já tão dilacerada.

Deus fez bem apagando de nossos fracos cérebros a lembrança de um passado terrível.

Após haver sorvido a beberagem do esquecimento, renascemos para uma nova vida.

Uma educação diferente, uma civilização mais adiantada, faz desvanecer as quimeras que outrora visitaram nosso espírito. Aliviados dessa bagagem embaraçosa, avançamos com passos mais rápidos nas vias que nos são abertas.

Todavia, esse passado não está apagado de tal maneira que não possamos entrever alguns de seus vestígios. Se nos desapegarmos das influências exteriores, descermos ao fundo de nosso ser; se nos analisarmos com cuidado, nossos gostos e aspirações, descobriremos coisas, em nossa existência atual e com a educação recebida, que nada poderia explicar. Partindo daí, chegaremos a reconstituir esse passado, senão em todos os seus detalhes, pelo menos em suas grandes linhas.

Quanto às faltas, que implicam numa expiação necessária nesta vida, ainda que apagadas momentaneamente aos nossos olhos, sua causa primeira continua existindo, sempre visível, qual seja, nossas paixões e caracteres impetuosos, que as novas encarnações têm por objetivo domar, dobrar.

Assim então, se deixamos no limiar da vida as mais perigosas lembranças, levamos ao menos conosco os frutos e as consequências dos trabalhos realizados, isto é uma consciência, um julgamento, um caráter tal qual o houvermos talhado.

Tudo que nos é inato não é outra coisa senão a herança intelectual e moral que as vidas desvanecidas nos legaram.

E cada vez que se abrem para nós as portas da morte, quando, liberta do jugo material, nossa alma escapa de sua prisão na carne para reentrar no império dos Espíritos, então seu passado se reconstitui pouco a pouco. Uma após outra, sobre o caminho seguido, revê suas existências, as quedas, os altos, os avanços rápidos.

Julga a si mesma, medindo o caminho percorrido. No espetáculo de seus descréditos ou de seus méritos, expostos ante ela, encontra sua punição ou sua recompensa.

 

Léon Denis

Livro: O PORQUÊ DA VIDA

 

publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 00:01
Quinta-feira , 03 de Junho DE 2010

A MALDADE: UMA DOENÇA DO ESPÍRITO

 

Impossível ignorar a existência do mal. Relatos de maldade e atos criminosos ocupam espaço na mídia escrita e falada, corriqueiramente. O assunto faz parte de estudos médicos, psicológicos, filosóficos e literários, do passado e do presente. A Ciência admite, inclusive, a existência de componente genético para a maldade. O pensamento espírita, porém, é que:

O mal não é intrínseco no indivíduo, não faz parte da natureza íntima do Espírito; é, antes, uma anomalia, como o são as enfermidades. O bem, tal como a saúde, é o estado natural, é a condição visceralmente inerente ao Espírito. Um corpo doente constitui um caso de desequilíbrio, precisamente como um Espírito transviado, rebelde, viciado, ou criminoso.

Em termos médicos, maldade (do latim malus: mal) é o “desejo ou intenção de causar danos a alguém ou de verem outras pessoas sofrerem”. A psiquiatria considera a maldade como uma psicopatia que “não aparece de forma única e uniforme [pois], há graus variados”, afirma Ana Beatriz Barbosa Silva, professora brasileira de Psiquiatria e autora da instrutiva obra Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado (Rio de Janeiro, Objetiva, 2008). Em linguagem compreensível ao grande público, o livro estuda a maldade, segundo critérios médicos, mais precisamente da Psiquiatria, oferece ao leitor oportunos esclarecimentos, pontua conceitos, indica os avanços da Ciência e, ao final, apresenta um “manual de sobrevivência”, que ensina como a pessoa pode se prevenir de ações ou situações que envolvam a maldade.

A doutora Ana Beatriz ensina que, como psicopatia, a maldade é um “transtorno da personalidade que apresenta dois elementos causais fundamentais: uma disfunção neurobiológica e o conjunto de influências sociais e educativas recebidas ao longo da vida”. ³ Informa ainda que tais psicopatas são, em geral, indivíduos frios, calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores e que visam apenas o próprio benefício. Eles são incapazes de estabelecer vínculos afetivos ou de se colocar no lugar do outro. São desprovidos de culpa ou remorso e,muitas vezes, revelam-se agressivos e violentos. Em maior ou menor nível de gravidade e com formas diferentes de manifestarem os seus atos transgressores, os psicopatas são verdadeiros “predadores sociais”, em cujas veias e artérias corre um sangue gélido.

A maldade apresenta gradações que, no ponto máximo, é denominado perversão pelos psicanalistas. “Originada do latim perversione, a palavra designa o ato ou efeito de tornar-se mau, corromper, depravar ou desmoralizar. [...]. Da mesma raiz de perversão, deriva perversidade que quer dizer ‘índole ferina ou ruim’.”

Para a Doutrina Espírita “Deus não criou Espíritos maus; criou- -os simples e ignorantes [...]. Os que são maus, assim se tornaram por sua vontade”. Neste contexto, a índole perversa ou as más tendências identificadas em certas pessoas refletem o somatório de ações infelizes, atentados contínuos à legislação divina, em razão do uso incorreto do livre-arbítrio, ao longo das reencarnações. Nestas condições instalam-se perturbações nos refolhos da alma que produzem desordens mentais, observáveis nas atitudes e comportamentos individuais, às vezes desde a mais tenra infância.

Se as manifestações de maldade não forem precocemente controladas ou tratadas, a pessoa pode se transformar em sociopata, praticando atos classificados como crimes hediondos.

O Espírito André Luiz explica melhor a problemática:

[...] na retaguarda dos desequilíbrios mentais, sejam da ideação e da afetividade, da atenção e da memória, tanto quanto por trás de enfermidades psíquicas clássicas [...] permanecem as perturbações da individualidade transviada do caminho que as Leis Divinas lhe assinalam à evolução moral. [...]

Torturada por suas próprias ondas desorientadoras, a reagirem, incessantes, sobre os centros e mecanismos do corpo espiritual, cai a mente nas desarmonias e fixações consequentes e, porque o veículo de células extrafísicas que a serve, depois da morte, é extremamente influenciável, ambienta nas próprias forças os desequilíbrios que a senhoreiam, consolidando- se-lhe, desse modo, as inibições que, em futura existência, dominar-lhe-ão temporariamente a personalidade, sob a forma de fatores mórbidos, condicionando as disfunções de certos recursos do cérebro físico, por tempo indeterminado.

O espírita consciente evita, a todo custo, praticar atos de maldade, mesmo os considerados “toleráveis” pela sociedade. Mantém- se atento aos próprios pensamentos e atos, a fim de não fazer vinculações mentais com entidades desarmonizadas, encarnadas ou desencarnadas. Compreende, enfim, que o processo obsessivo está na maioria das vezes associado às desarmonias espirituais, exacerbando- as. O Instrutor Barcelos, de acordo com os registros de André Luiz, orienta, a propósito:

[...] No círculo das recordações imprecisas, a se traduzirem por simpatia e antipatia, vemos a paisagem das obsessões transferida ao corpo carnal, onde, em obediência às lembranças vagas e inatas, os homens e as mulheres, jungidos uns aos outros pelos laços da consanguinidade ou dos compromissos morais, se transformam em perseguidores e verdugos inconscientes entre si. Os antagonismos domésticos, os temperamentos aparentemente irreconciliáveis, entre pais e filhos, esposos e esposas, parentes e irmãos, resultam dos choques sucessivos da subconsciência, conduzida a recapitulações retificadoras do pretérito distante. [...]

Uma vez reveladas tendências para a prática do mal, na criança ou no jovem, pais e educadores devem somar esforços, buscando apoio profissional, médico e/ou psicológico. O auxílio espiritual, usual na casa espírita (prece, passe, irradiações, estudo etc.), é também imprescindível.O Instrutor Barcelos, anteriormente citado, orienta que como medida preventiva

[...] Precisamos divulgar no mundo o conceito moralizador da personalidade congênita, em processo de melhoria gradativa, espalhando enunciados novos que atravessem a zona de raciocínios falíveis do homem e lhe penetrem o coração, restaurando- lhe a esperança no eterno futuro e revigorando-lhe o ser em suas bases essenciais. As noções reencarnacionistas renovarão a paisagem da vida da Crosta da Terra, conferindo à criatura não somente as armas com que deve guerrear os estados inferiores de si própria, mas também lhe fornecendo o remédio eficiente e salutar. [...]

 

publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 05:42
Quarta-feira , 02 de Junho DE 2010

EXISTÊNCIA DE DEUS

 

Existe no mundo atual uma forte linha divisória, traçada pelos homens, que separa as diferentes correntes de ideias como sendo parte ou de religião, ou de ciência, ou de filosofia. O homem moderno, apesar de mais desenvolvido intelectualmente, ainda traz traços claros de outros tempos quando, o que não podia ser explicado à luz da ciência era categorizado por nós como sobrenatural ou herético. Hoje ainda, assuntos que são considerados científicos, são compartimentalizados, como se nada tivesse de relação com assuntos de ordem Divina, e a filosofia é considerada como nada mais que um simples conjunto de ideias teóricas sem nenhuma aplicação prática.

 

Essa separação força uma postura dogmática para que aceitemos e abracemos a verdade absoluta de que Deus é nosso Pai e Criador de todas as coisas, e assim somos forçados a aceitar, sem questionamento, que tudo o que existe e ocorre se dá por vontade Dele. Realmente, é fato que tudo o que existe e ocorre se dá por vontade do Altíssimo, mas, uma vez que se pudesse comprovar esse fato através de observações e estudos, ao invés da simples aceitação de dogmas religiosos a nós impostos, poder-se-ía chegar a uma situação de consenso com relação à existência de Deus; então, a argumentação racional derrubaria a descrença dos que nunca encontraram explicação plausível para a lei Universal, e que precisam de algo mais que a fé cega para aceitação do que lhes é imposto.

 

Tomemos então como parâmetro inicial para discussão o aspecto científico aceito nos dias atuais que explica a teoria evolucionária da Terra. O postulado aceito hoje como padrão para a origem dos organismos vivos terrestres nos diz que toda a vida no planeta começou através de micro-organismos unicelulares, que em tempo, evoluíram a organismos multicelulares, a plantas e animais simples, finalmente culminando no organismo mais complexo de todos que é o homem e seu mecanismo de inteligência em constante evolução.

 

Existem dois caminhos que se pode seguir para estabelecimento de uma conexão entre a teoria evolucionária da vida na Terra e a existência de inteligência suprema, arquiteta de todo esse processo. A primeira direção é a que caminha no tempo, em sentido contrário à linha evolucionária, e que investiga a origem dos micro-organismos elementares. A corrente teórica mais aceita na atualidade é a que atribui a criação desses seres elementares à combinação de redes inorgânicas de carbono existentes na superfície do globo, que através de reações químicas se transformaram nos micro-organismos elementares em questão. Essa teoria é a mais aceita, uma vez que está provado cientificamente que a partícula mais elementar do corpo humano é também formada por redes de carbono inorgânico. Assumindo que esta seja realmente a origem de tudo, como se explica o fato do homem nunca ter conseguido criar vida a partir de redes de carbono inorgânico? Os avanços mais recentes no campo da genética possibilitaram ao homem apenas a clonagem de seres vivos, utilizando-se para isso o DNA do animal a ser copiado; portanto, isso nada mais é que a cópia de algo existente, não podendo ser caracterizado ou qualificado como criação de vida. Essa simples pergunta gera uma série de considerações, tais como:

 

(1) Talvez o homem nunca tenha conseguido criar vida a partir de composições inorgânicas pelo fato de que exista outro ou vários outros componentes que devam ser adicionados a redes de carbono para a criação dos seres orgânicos.

 

(2) Se existem realmente componentes extras que devam ser adicionados, esses componentes ainda não foram descobertos pela nossa ciência, o que sugere que existem componentes ainda mais elementares que o mais elementar que já foi descoberto até hoje.

 

(3) Se a vida orgânica necessita de um ou vários componentes para sua criação, adicionados às redes de carbono, é realmente razoável se atribuir a puro acaso a combinação de todos esses elementos, nas suas quantidades exatamente precisas, dentro de condições ambientais exatamente perfeitas de modo que se combinem a ponto de criarem vida orgânica? Probabilisticamente falando, isso seria impossível sem a intervenção de uma inteligência exterior ao fenômeno, que alinhe as condições, quantidades e elementos de forma que o resultado final seja o esperado.

 

Ora, se chegamos à conclusão racional de que a criação da vida só pôde ser executada através da intervenção de algum tipo de inteligência, e que estamos nos referindo aos seres vivos originários de toda a vida na Terra, chegamos a um paradoxo: Precisamos de vida inteligente para criação de vida inteligente.

 

Nesse ponto, mesmo que se atribua essa inteligência externa a criaturas de outros mundos que não as da Terra, como existe hoje corrente simpática a essa teoria, pode-se aplicar a mesma sequência de raciocínio para chegarmos à origem da criação desse ser inteligente em seu próprio mundo, e o criador deste, e o criador deste ainda, até que cheguemos ao criador original, Deus.

 

O segundo caminho que precisamos seguir para estabelecimento de conexão entre a Inteligência Original e Suprema e a teoria evolucionária se dá na direção temporal oposta à anterior, ou seja, na direção da evolução dos organismos vivos culminando na criação do homem em toda sua complexidade. Apelando mais uma vez à matemática da probabilidade, seria razoável aceitar que essa evolução seguiu um processo aleatório, mantendo em perspectiva que, um simples elemento vivo unicelular possa ter se transformado em um organismo tão complexo quanto o homem?

Isso se quisermos nos manter apenas no campo físico do corpo humano. O que falar do campo mental do homem e toda sua complexidade? Não me refiro ao cérebro propriamente dito apenas, mas ao domínio de suas ideias que determinam a individualidade de cada um de nós. Seria realmente obra do puro acaso a evolução dos seres vivos até esse nível de complexidade?

 

E com relação à Natureza? Como explicar o seu número virtualmente infinito de elementos e seres variados e como todos se encadeiam e colaboram de forma perfeita para a manutenção do equilíbrio de vários ecossistemas? Cadeias alimentares que garantem a sobrevivência e utilidade de todas as múltiplas espécies de seres vivos, cadeias essas que se alteradas resultam em consequências catastróficas para a região afetada, mas que parecem ter um mecanismo de controle natural, que acaba se reequilibrando sem a necessidade de influência humana, tão logo a força disturbante a essa cadeia se interrompa. Pode-se atribuir toda essa perfeição, de novo, à obra do acaso?

 

Isso tudo sem mencionar os elementos inorgânicos, que possibilitam infinitas combinações para formação de outros mais complexos, e outros ainda mais. E o que falar dos fenômenos da eletricidade e magnetismo, que através do estudo de seus respectivos campos possibilitou à ciência a descoberta de verdadeiros mundos de possibilidades? A eletricidade e magnetismo não foram criados pela ciência, apenas descobertos. Isso tudo também é acaso?

 

E os sentimentos humanos, que a ciência até hoje não conseguiu decifrar? Cada relacionamento entre duas pessoas produz número infinito de nuances emotivas, tanto na qualidade e característica de emoções, quanto em suas intensidades. Pelas leis matemáticas, o adicionamento de uma terceira pessoa a essa rede inicial de duas pessoas, aumentaria o número de combinações exponencialmente. Considere agora que existem hoje no globo terrestre mais de cinco bilhões de pessoas, e que todas elas se relacionam indiretamente. As ações de um único indivíduo acabam afetando todos os habitantes do globo, através de suas associações indiretas, como um dominó que cai em uma fileira de cinco bilhões de dominós. É mais do que razoável a aceitação de que exista uma série de leis pelas quais o Universo seja regido, caso contrário, não seria muito difícil imaginar um completo caos culminando com a sua total destruição. Deixamos aqui a pergunta: achamos nós realmente, que as leis da física conhecidas pela ciência de hoje, seriam suficientes para reger um super-organismo tão complexo e inter-relacionado como o Universo infinito?

 

Negar a linha de raciocínio acima seria negar o axioma básico de todas as ciências; o de que não existe efeito sem causa. Para se crer em Deus, basta se lance o olhar sobre as obras da Criação. O Universo existe que nesse caso seria o efeito, logo uma causa para esse efeito deve existir. Duvidar da existência de Deus é negar que todo efeito tem uma causa e avançar que o nada pôde realizar alguma coisa. A harmonia existente no mecanismo do Universo patenteia combinações e desígnios determinados e, por isso mesmo, revela um poder inteligente. Atribuir a formação primária ao acaso seria insensatez, pois que o acaso é cego e não pode produzir os efeitos que a inteligência produz. Um acaso inteligente já não seria acaso.

 

Entende-se que para alguns homens seja difícil a aceitação pura e simples de dogmas impostos pelas diversas religiões, especialmente quando essas próprias religiões, que por terem sido criadas por homens, são também falíveis como seus criadores. Temos provas diárias que nos fazem contestar as religiões terrestres, como por exemplo, os movimentos das cruzadas nas épocas medievais que mataram milhares de inocentes em nome de Deus; nada mais era que um movimento político à procura de poder; o roubo da inocência de crianças por membros de altos escalões religiosos, para saciamento de seus sentimentos carnais animalescos; o assassinato de milhares de pessoas em nome de uma chamada guerra santa, motivada por interesses econômicos mundanos; a ostentação gratuita de templos religiosos, adorando a Jesus, que foi o mais humilde de todos os homens, quando ao mesmo tempo, a humanidade nunca sofreu tanto com a pobreza e as desigualdades sociais; o pedido de dízimo e contribuição material fixa e mensal dos fiéis, com o argumento de estes estarem comprando sua vaga junto aos escolhidos na seara de nosso Pai; e outros tantos exemplos que, por si só, apresentariam material suficiente para um livro separado.

 

Para estes homens contestadores, diríamos: volte-se para a ciência e o raciocínio lógico; para o encontro com o Criador de todas as coisas. Não se deixem hipnotizar pela fraqueza e poder de sugestão dos chamados homens de bem, criadores das religiões Terrenas. Busquem o Pai criador através da análise crítica do mundo que os cerca e usem a ciência, que explica parcialmente a origem das coisas, mas que não encontra respostas para as perguntas fundamentais que serviriam como preenchimento das lacunas mais importantes, como estímulo à sua pesquisa pessoal. Não bloqueiem seu raciocínio para as perguntas de hoje sem respostas, e procure por nosso Pai dentro de seu templo individual, seu coração, que lhes dá a intuição de que somos criações e filhos de um Ser de inteligência infinita, e sua mente, que procura incessantemente pelo sentido da vida.

 

Espíritos: Camile Flammarion e José de Anchieta

Livro: Espiritismo: Filosofia, Ciência e Religião

 

publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 00:29
Terça-feira , 01 de Junho DE 2010

O PROGRESSO NA IMORTALIDADE

(Complemento filosófico publicado pelo jornal Le Devoir)

 

Embora a humanidade avance pouco a pouco na estrada do progresso, pode-se dizer que a imensa maioria de seus membros marcha através da vida como em meio de uma noite obscura, ignorando de onde vem, não sabendo para onde vai, não tendo jamais sonhado com o objetivo real da existência.

Espessas trevas dominam a razão humana; os raios destes poderosos focos, que são a justiça e a verdade, só chegam a ela pálidos, enfraquecidos e insuficientes para aclarar os caminhos sinuosos por onde as inúmeras legiões seguem em marcha, para fazer brilhar a seus olhos o objetivo ideal e distante.

Ignorante de seus destinos, indeciso entre o preconceito e o erro, o homem maldiz, por vezes, a vida. Desfalecendo ao peso do seu fardo, lança sobre seus semelhantes a causa das provas que ele engendra e sofre, muitas vezes por sua imprevidência.

Revoltado contra Deus, que ele acusa de injusto, em sua loucura e seu desespero chega mesmo, algumas vezes, a desertar do combate salutar, da luta que só pode fortificar sua alma, aclarar seu julgamento, prepará-lo para trabalhos de ordem mais elevada.

Por que é assim? Por que o homem desce frágil e desarmado na grande arena onde se trava, sem tréguas e sem descanso, a eterna e gigantesca batalha? É que esse globo terrestre é simplesmente um dos degraus inferiores da escala dos mundos e nele moram apenas espíritos novos, isto é, almas nascidas recentemente com a razão.

A matéria reina soberana em nosso mundo e curva sob seu jugo até os melhores dentre nós; limita nossas faculdades, paralisa nossos anseios para o bem e nossas aspirações para o ideal.

Assim, para discernir o porquê da vida, para conhecer sua razão de ser, para entrever a lei suprema que rege as almas e os mundos é preciso saber libertar-se dessas pesadas influências, liberar-se das preocupações de ordem material, de todas essas coisas passageiras e volúveis que acobertam nosso espírito, dificultando nossos julgamentos. Somente nos elevando algumas vezes pelo pensamento, acima dos próprios horizontes da vida, fazendo abstração do tempo e do espaço e planando, de certa forma, acima dos pormenores da existência, é que perceberemos a verdade.

Com um esforço de vontade, abandonemos por um instante a Terra e subamos essas encostas sublimes. Do alto dos cumes intelectuais se desenrolará, para nós, o imenso panorama dos tempos sem fim e dos espaços sem limite. Do mesmo modo que o soldado perdido na luta só vê confusão em seu derredor, enquanto que o general, cujo olhar alcança todas as peripécias da batalha, calcula e prevê seus resultados; da mesma forma que o viajante, perdido nas dobras do terreno, subindo a montanha, pode vê-las se fundir numa planície grandiosa, assim a alma humana, dos cumes onde ela plana, longe dos ruídos da Terra, longe dos recantos obscuros, descobre a harmonia universal. O que embaixo lhe parecia confuso, inexplicável e injusto, visto do alto se liga e se aclara.

As sinuosidades da existência se endireitam. Tudo se une, tudo se encadeia. Ao espírito deslumbrado aparece a ordem majestosa que regula o curso das existências e a marcha dos universos.

Dessas alturas iluminadas, a vida não é mais, aos nossos olhos, como aos da multidão, a busca vã de satisfações efêmeras, porém um meio de aperfeiçoamento intelectual, de elevação moral, uma escola onde se aprende a doçura, a paciência e o dever.

Esta vida, para ser eficaz, não pode ser isolada. Fora de seus limites, além do nascimento e da morte, vemos, numa espécie de penumbra, desenrolar-se uma multidão de existências através das quais, à custa do trabalho e do sofrimento, conquistamos, peça por peça, pedaço por pedaço, o pouco de saber e de qualidades que possuímos e pelos quais também conquistaremos o que nos falta: uma razão perfeita, uma ciência sem limites e um amor infinito por tudo quanto vive.

A imortalidade, semelhante a uma cadeia sem fim, se desenrola para cada um de nós na imensidade dos tempos. Cada existência é um elo que se liga, para trás e para frente, em uma cadeia distinta, a uma vida diferente, porém solidária com as outras.

O futuro é a consequência do passado e, de degrau em degrau, o ser se eleva e cresce. Artífice de seus próprios destinos, o homem, livre e responsável, escolhe seu caminho e se essa rota é difícil, as quedas que terá os calhaus e os espinhos que irão dilacerá-lo terão como efeito desenvolver sua experiência e fortificar sua razão nascente.

A lei suprema do mundo é, portanto, o progresso incessante, a ascensão dos seres para Deus, fonte das perfeições. Das profundezas do abismo, das mais rudimentares formas da vida, por uma rota infinita e com o auxílio de transformações sem conta, nós nos aproximamos dele. No fundo de cada alma o Eterno colocou o germe de todas as faculdades e de todas as potências; cabe-nos fazê-las eclodir por nossos esforços e por nossas lutas!

Encarado por esses aspectos novos, nosso progresso, nossa vindoura felicidade é obra nossa e a graça não tem mais razão de ser, pois a justiça brilha afinal sobre o mundo, porque se todos lutamos e sofremos, todos seremos salvos.

Igualmente se revela aqui, em toda a sua grandeza, o papel da dor e sua utilidade para o progresso dos seres. Cada globo que rola no espaço é uma vasta oficina onde a substância das almas é incessantemente trabalhada.

Assim como o grosseiro mineral, sob a ação do fogo e das águas, se transforma, pouco a pouco, em um puro metal, também a alma humana, sob os pesados martelos da dor, se transforma e se fortifica. É no meio das provas que se forjam os grandes caracteres. A dor é a suprema purificação, é a fornalha onde se fundem todas as escórias impuras que corrompem a alma: o orgulho, o egoísmo e a indiferença.

É a única escola onde se afinam as sensações delicadas, onde se aprendem a piedade e a resignação estoicas. Os gozos sensuais, ligando-nos à matéria, retardam nossa elevação, enquanto que o sacrifício e a abnegação nos desligam, por antecipação, dessa espessa ganga e nos preparam para novas etapas e para uma ascensão mais alta. Assim a alma se eleva na escalada magnífica dos mundos e percorre o campo sem limites dos espaços e dos tempos.

A cada conquista sobre as paixões, a cada passo à frente, engrandecida e purificada, ela vê seus horizontes se alargarem e percebe, cada vez mais distintamente, a grande harmonia das leis e das coisas e nela participa de uma forma bem estreita e mais efetiva.

Então para ela o tempo se apaga e os séculos se escoam como segundos. Unida a suas irmãs, companheiras da erraticidade, ela prossegue sua marcha eterna no seio de uma luz cada vez maior.

De nossas buscas e de nossas meditações se destaca assim uma grande lei: a pluralidade das existências da alma. Nós vivemos antes do nascimento e viveremos depois da morte e esta lei nos dá a chave de problemas até agora insolúveis, pois somente ela explica a desigualdade das condições e a infinita variedade dos caracteres e das aptidões. Conhecemos ou conheceremos, sucessivamente, todas as fases da vida terrestre e percorreremos todos os meios. No passado, nós éramos como esses selvagens que povoam os continentes atrasados; no futuro, nós nos poderemos elevar à grandeza desses gênios imortais, desses espíritos gigantes que, semelhantes a faróis luminosos, iluminam a marcha da humanidade.

O tempo e o trabalho são os dois elementos de nosso progresso e a lei da reencarnação mostra de uma forma brilhante, a soberana justiça que reina sobre todos os seres. Passo a passo, nos forjamos e quebramos, nós próprios, nossos grilhões. As provas terríveis, que alguns dentre nós sofrem, são a consequência de uma conduta do passado.

O déspota renasce escravo; a mulher altiva e vaidosa por sua beleza tomará um corpo enfermo e sofredor; o preguiçoso voltará como servo, curvado sob uma tarefa ingrata, e aquele que fez sofrer, por seu turno, sofrerá. É inútil procurar o inferno nas regiões desconhecidas e distantes. O inferno está em torno de nós e se oculta nas dobras ignoradas da alma culpada, na qual só a expiação pode fazer cessar as dores.

Entretanto, dirão, se outras vidas precederam o nascimento, por que perdemos sua lembrança e como poderemos resgatar com sucesso faltas esquecida?

A lembrança! Ela não seria mais que um terrível grilhão atado aos nossos pés! Mal saída das idades da fúria, escapando, ontem, da bestialidade feroz, qual deve ser esse passado de cada um de nós? Pelas etapas vencidas, quantas lágrimas temos feito correr e quanto sangue temos derramado! Conhecemos o ódio e praticamos a injustiça. Que fardo moral essa longa perspectiva de faltas para um pobre espírito já débil e cambaleante! Depois, a lembrança de nosso próprio passado estaria ligada, de uma forma íntima, à lembrança do passado de outras pessoas. Que desagradável situação para o culpado, marcado assim com o ferro em brasa pela eternidade!

E os ódios, os erros se perpetuariam pela mesma razão, criando divisões profundas e eternas no seio dessa humanidade já tão sacrificada. Sim, Deus fez bem em apagar de nossos frágeis cérebros a lembrança de um passado perigoso. Após termos bebido as águas do Léthé,(1) renascemos numa nova vida.

Uma educação diferente, uma civilização mais ampla faz espantar os fantasmas que perturbaram outrora nosso espírito.

Aliviados dessa bagagem pesada, avançamos com passo mais rápido pelas sendas que nos são abertas.

Entretanto esse passado não está tão extinto que não lhe possamos entrever alguns vestígios. Se, livres das influências exteriores, descermos ao fundo de nosso ser, se analisarmos, com cuidado nossas preferências e nossas aspirações, descobriremos coisas que nada em nossa atual existência e na educação recebida pode explicar.

Partindo daí, chegaremos a reconstituir esse passado, senão em seus pormenores, pelo menos em suas grandes linhas. Quanto às faltas, ocasionando, nesta vida, uma expiação consentida, ainda que apagadas momentaneamente aos nossos olhos, sua causa primária não permanece menos visível para sempre, isto é, nossas paixões, nosso caráter ardente que novas encarnações terão como meta curvar e domar.

Assim, pois, se deixamos sob o esquecimento as mais perigosas lembranças, carregamos, pelo menos, conosco o fruto e as consequências dos trabalhos recentemente conquistados, isto é, uma consciência, um julgamento e um caráter talhados por nós próprios. O que chamamos desigualdade não é outra coisa senão a herança intelectual e moral que as vidas passadas nos legam.

Cada vez que se abrem, para nós, as portas da morte, quando, separada do jugo material, nossa alma escapa de sua prisão de carne para entrar novamente no império dos espíritos, então o passado reaparece inteiramente diante dela. Uma após outra, na rota percorrida, ela revê suas existências: as quedas, as conquistas e as marchas rápidas. Ela se julga a si mesma, medindo o caminho percorrido, e no espetáculo de seus sucessos ou de suas vergonhas, colocados diante dela, encontra seu castigo ou sua recompensa.

Sendo o aperfeiçoamento intelectual e moral da alma o objetivo da vida, qual condição e qual meio nos convêm melhor para conseguir esse objetivo? O homem pode trabalhar para essa perfeição em todas as condições e em todos os meios sociais, porém trabalhará mais vitoriosamente em determinadas condições.

A riqueza proporciona aos homens poderosos meios de estudo e lhe permite dar a seu espírito uma cultura mais desenvolvida e mais perfeita; ela põe em suas mãos facilidades maiores para aliviar seus irmãos infelizes e participar de tarefas úteis para lhes melhorar a sorte. Todavia são raros os que consideram como um dever trabalhar para aliviar a miséria ou pela instrução e melhoria de seus semelhantes.

A riqueza esteriliza, muitas vezes, o coração humano; extingue essa chama interior, esse amor ao progresso e às melhorias sociais, que aquece todas as almas generosas; coloca uma barreira entre os poderosos e os humildes e isola, numa esfera, os deserdados desse mundo, onde, por consequência, suas necessidades e seus males são ignorados e desconhecidos.

A miséria também tem seus horrorosos perigos: a degradação dos caracteres, o desespero e o suicídio, mas enquanto a riqueza nos torna indiferentes e egoístas, a pobreza, aproximando-nos dos humildes, nos faz compartilhar de suas dores. É preciso ter sofrido para avaliar o sofrimento dos outros. É então que os poderosos, no meio das honras, se invejam entre si e procuram rivalizar, em ostentação, os pequenos, aproximados pela necessidade e que vivem, por vezes, em uma tocante confraternização.

Olhai os pássaros de nosso país durante os meses de inverno, quando o céu está sombrio, quando a terra está coberta com um branco manto de neve; agarrados uns aos outros, na borda de um telhado, eles se aquecem mutuamente, em silêncio. A necessidade os une. Contudo, nos belos dias, com o Sol resplandecendo e a provisão abundante, eles piam quanto podem, perseguem-se, batem-se e se machucam. Assim é o homem.

Dócil, afetuoso para com seus semelhantes nos dias de tristeza, a posse dos bens materiais muitas vezes o torna esquecido e insensível.

Uma condição modesta faz mais bem ao espírito desejoso de progredir, de adquirir as virtudes necessárias para seu progresso moral. Longe do turbilhão dos prazeres fugazes, ele julgará melhor a vida, dará à matéria o que é necessário para a conservação de seus órgãos, porém evitará cair em hábitos perniciosos, tornar-se presa das inúmeras necessidades factícias que são o flagelo da humanidade. Ele será sóbrio e laborioso, contentando-se com pouco, apegando-se aos prazeres da inteligência e às alegrias do coração.

Fortificado assim contra os assaltos da matéria, o sábio, sob a pura luz da razão, verá resplandecer seu destino. Esclarecido quanto ao objetivo da vida e ao por que das coisas, ficará firme e resignado diante da dor, que ele aproveitará para sua depuração e seu progresso.

Enfrentará a provação com coragem, sabendo que ela é salutar, que ela é o choque que rasga nossas almas e que só por este rasgão derrama tudo quanto de fel e de amargura há em nós.

E se os homens se riem dele, se ele é vítima da intriga e da injustiça, aprenderá a suportar, pacientemente, seus males, lançando seus olhares para vós, oh! Nossos irmãos mais velhos, para Sócrates bebendo a cicuta, para Jesus crucificado e para Joana na fogueira. Haverá consolação na lembrança de que os maiores, os mais virtuosos e os mais dignos sofreram e morreram pela humanidade.

Após uma existência bem preenchida, chegará a hora solene e é com calma, sem desgostos, que virá a morte. A morte que os homens cercam com um sinistro aparato, a morte, espantalho dos poderosos e dos sensuais e que para o pensador austero é a libertação, a hora da transformação, a porta que se abre para o império luminoso dos espíritos.

Esse pórtico das regiões extraterrestres será penetrado com serenidade, se a consciência, separada da sombra da matéria, erguer-se como um juiz, representante de Deus, perguntando?

“Que fizeste da vida?” e ele responder: “Lutei, sofri, amei”!

Ensinei o bem, a verdade e a justiça; dei a meus irmãos o exemplo do correto e da doçura; aliviei as dores dos que sofrem e consolei os que choram. Agora, que o Eterno me julgue, pois estou em suas mãos!”

Homem, meu irmão, tem fé em teu destino, porque ele é grande. Confia nas amplas perspectivas, porque ele põe em teu pensamento a energia necessária para enfrentar os ventos e as tempestades do mundo. Caminha, valente lutador, sobe a encosta que conduz a esses cimos que se chamam virtude, dever e sacrifício. Não pares no caminho para colher as florzinhas do campo, para brincar com os calhaus dourados. Para frente, sempre adiante.

Olha nos esplêndidos céus esses astros brilhantes, esses sóis incontáveis que carregam, em suas evoluções prodigiosas, brilhantes cortejos de planetas. Quantos séculos acumulados foram precisos para formá-los e quantos séculos serão precisos para dissolvê-los.

Pois bem, chegará um dia em que todos esses sóis serão extintos, ou esses mundos gigantescos desaparecerão para dar lugar a novos globos e a outras famílias de astros emergindo das profundezas. Nada do que vê hoje existirá. O vento dos espaços terá varrido para sempre a poeira desses mundos, porém tu viverás sempre, prosseguindo tua marcha eterna no seio de uma criação renovada incessantemente. Que serão então, para tua alma depurada e engrandecida, as sombras e os cuidados do presente? Acidentes fugazes de nossa caminhada, que só deixarão, no fundo de nossa memória, lembranças tristes e doces.

Diante dos horizontes infinitos da imortalidade, os males do passado e as provas sofridas serão qual uma nuvem fugidia no meio de um céu sereno.

Considera, portanto, no seu justo valor, as coisas da Terra.

Não as desdenhes porque, sem dúvida, elas são necessárias ao teu progresso e tua obra é contribuir para o seu aperfeiçoamento, melhorando a ti mesmo, mas que tua alma não se agarre exclusivamente a elas e que busque, antes de tudo, os ensinamentos nela contidos.

Graças a eles compreenderás que o objetivo da vida não é o gozo, nem a felicidade, porém o desenvolvimento por meio do trabalho, do estudo e do cumprimento do dever, dessa alma, dessa personalidade que encontrarás além do túmulo, tal como a tenhas feito, tu mesmo, no curso desta existência terrestre.

Léon Denis

 

(1) Léthé: rio dos infernos, cujo nome significa esquecimento. Os homens bebiam de suas águas para esquecer (conforme o Noveau Petit Larousse Illustré) (N.E.).

 

publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 01:04

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