Sexta-feira , 06 de Março DE 2009

A LENDA DO HOMEM ETERNO




Pelo Sr. Armand Durantin
(1- 1Um vol. in-12. Preço: 3 francos.
Casa Dentu e na Livraria central, boulevar dos Italianos, no 24.).
O Espiritismo conquistou seu lugar nas crenças; se é ainda, para alguns escritores, um assunto de zombaria, é de se notar que entre aqueles mesmos que zombavam dele outrora, a zombaria baixou de tom diante do ascendente da opinião das massas, e se limita a reportar, sem comentários ou com restrições mais reservadas, os fatos que ali narram. Outros, sem nele crerem positivamente, e sem mesmo conhecê-lo a fundo, julgam a idéia bastante importante para nela haurir os assuntos de seus trabalhos de imaginação ou de fantasia. Tal é, isso nos parece, o caso da obra de que falamos. É um simples romance baseado sobre a crença espírita, apresentado do ponto de vista sério, mas ao qual podemos censurar alguns erros, sem dúvida, provenientes de um estudo incompleto da matéria. O autor que quer bordar uma ação de fantasia sobre um assunto histórico deve, antes de tudo, compenetrar-se bem da verdade do fato, a fim de não estar ao lado da história. Assim deverão fazer todos os escritores que quiserem aproveitar a idéia espírita, seja para não serem acusados de ignorar do que falam, seja para conquistar a simpatia dos adeptos, bastante numerosos hoje para pesar na balança da opinião, e concorrer ao sucesso de toda obra que toca, direta ou indiretamente, às suas crenças.
Feita essa reserva do ponto de vista da perfeita ortodoxia, a obra em questão não será por isso menos lida com muito interesse pelos partidários como pelos adversários do Espiritismo, e agradecemos ao autor pela graciosa homenagem que consentiu em nos fazer com o seu livro, chamado a popularizar a idéia nova. Dele citaremos as passagens seguintes, que tratam mais especialmente da Doutrina.
"À época em que o Sr. de Boursonne (um dos principais personagens do romance) perdera sua mulher, uma doutrina mística se difundia surdamente, lentamente, e se propagava na sombra. Ela contava ainda poucos apóstolos; mas não aspirava a nada menos do que se substituir aos diferentes cultos cristãos. Não lhe faltava ainda, para se tornar uma religião poderosa, senão a perseguição.
"Essa religião, é a do Espiritismo, tão eloqüentemente exposta pelo Sr. Allan Kardec, em sua notável obra O Livro dos Espíritos. Um de seus adeptos mais convencidos, era o conde de Boursonne.
"Não acrescentarei mais do que algumas palavras sobre essa doutrina, para fazer compreender aos incrédulos que o poder misterioso do conde era inteiramente natural.
"Os Espíritas reconhecem Deus e a imortalidade da alma. Crêem que a Terra é para eles um lugar de transição e de provas. Segundo eles, a alma é primeiro colocada por Deus num planeta de uma ordem inferior. Ali ela fica encerrada num corpo mais ou menos grosseiro, até o dia em que ela esteja bastante depurada para emigrar para um mundo superior. É assim que, depois de longas migrações e numerosas provas, as almas che- gam enfim à perfeição, e são então admitidas no seio de Deus. Depende, pois, do homem abreviar as suas peregrinações e chegar mais prontamente junto ao Senhor, melhorandose rapidamente.
"É uma crença do Espiritismo, crença tocante, que as almas mais perfeitas podem conversar com os Espíritos. Assim, segundo os Espíritas, podemos conversar com os seres que amamos e que perdemos, se nossa alma for bastante aperfeiçoada para ouvi-los e saber se fazer escutada por eles.
"São, pois, almas melhoradas, os homens mais perfeitos entre nós, que podem servir de intermediários entre o vulgo e os Espíritos; esses agentes, tanto zombados pelo ceticismo, tanto admirados e invejados pelos crentes, chamam-se, em linguagem espírita, médiuns.
"Isto explicado, uma vez por todas, anotemos de passagem que a Doutrina Espírita conta, nesta hora, seus adeptos por milhares, sobretudo nas grandeza cidades, e que o conde de Boursonne era um dos médiuns mais poderosos."
Isto é um primeiro erro grave; se fosse preciso ser perfeito para comunicar-se com os Espíritos, bem poucos gozariam desse privilégio. Os Espíritos se manifestam àqueles mesmos que deixam mais a desejar, precisamente para conduzi-los, por seus conselhos, a se melhorarem, segundo esta palavra do Cristo: "Não são aqueles que passam bem que têm necessidade de remédios." A mediunidade é uma faculdade que se prende ao organismo mais ou menos desenvolvido segundo os indivíduos, mas que pode ser dada ao mais indigno, como ao mais digno, com a condição de ser punido o primeiro se dela não aproveita ou se dela abusa. A superioridade moral do médium lhe assegura a simpatia dos bons Espíritos, e o torna apto para receber instruções de uma ordem mais elevada; mas a facilidade de comunicar-se com os seres do mundo invisível, seja diretamente, seja por intermediários, é dada a cada um tendo em vista o seu adiantamento. Eis o que o autor teria sabido se tivesse feito um estudo mais aprofundado da ciência espírita.
"A ciência moderna provou que tudo se encadeia. Assim, na ordem material, entre o infusório, o último dos animais, e o homem, que deles é a expressão mais elevada, existe uma cadeia de criaturas, melhoradas sucessivamente, como o provam com abundância as descobertas dos geólogos. Ora, os Espíritas se têm perguntado por que a mesma harmonia não existiria no mundo espiritual; se têm perguntado por que uma lacuna entre Deus e o homem, como o Sr. Lê Verrier perguntou-se como se fazia que um planeta pudesse faltar em tal lugar do céu, em virtude das leis harmoniosas que regem nosso mundo incompreensível e ainda desconhecido.
"Foi guiado por esse mesmo raciocínio que conduziu o eminente diretor do observatório de Paris à sua maravilhosa dedução, de que os Espíritas vieram para reconhecer os seres materiais entre o homem e Deus, antes de disso ter a prova palpável que adquiriram mais tarde."
Há igualmente aí um erro capital. O Espiritismo foi conduzido às suas teorias pela observação dos fatos, e não por um sistema preconcebido. O raciocínio do qual fala o autor é racional, sem dúvida, mas não foi assim que as coisas se passaram. Os Espíritas concluíram a existência dos Espíritos, porque os Espíritos se manifestaram espontaneamente; indicaram a lei que rege as relações do mundo visível e do mundo invisível, porque observaram essas relações; admitiram a hierarquia progressiva dos Espíritos, porque os Espíritos se mostraram a eles em todos os graus de adiantamento; adotaram o princípio da pluralidade das existências não só porque os Espíritos lhes ensinaram, mas porque esse princípio resulta, como lei da Natureza, da observação dos fatos que temos sob os olhos. Em resumo, o Espiritismo não admitiu nada a título de hipótese preliminar; tudo na doutrina é um resultado da experiência. Eis tudo o que temos muitas vezes repetido em nossas obras.
REVISTA ESPÍRITA
JORNAL DE ESTUDOS PSICOLÓGICOS
PUBLICADA SOB A DIREÇÃO DE ALLAN KARDEC
ANO 7 - FEVEREIRO 1864 - Nº. 2

publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 19:50
Segunda-feira , 02 de Março DE 2009

DO PRINCÍPIO DA NÃO-RETROGRADAÇÃO DOS ESPÍRITOS.


Tendo sido levantadas, várias vezes, questões sobre o princípio da não retrogradação dos Espíritos, princípio diversamente interpretado, iremos tentar resolvê-las. O Espiritismo quer ser claro para todo o mundo, e não deixar aos seus futuros filhos nenhum assunto de querelas de palavras, por isso todos os pontos suscetíveis de interpretação serão sucessivamente elucidados.
Os Espíritos não retrogradam, nesse sentido de que não perdem nada do progresso realizado; podem ficar momentaneamente estacionados; mas de bons, não podem se tornar maus, nem de sábios, ignorantes. Tal é o princípio geral, que não se aplica senão ao estado moral, e não à situação material, que de boa pode se tornar má, se o Espírito a mereceu.
Citemos uma comparação.
Suponhamos um homem do mundo, instruído, mas culpado de um crime que o conduziu às galés; certamente, há para ele uma grande queda como posição social e como bem-estar material; à estima e à consideração sucederam o desprezo e a abjeção; e, no entanto, nada perdeu quanto ao desenvolvimento da inteligência; levará à prisão suas faculdades, seus talentos, seus conhecimentos; é um homem caído, e é assim que é preciso entender os Espíritos decaídos.
Deus pode, pois, ao cabo de um certo tempo de prova, retirar, de um mundo onde não terão progredido moralmente, aqueles que o terão desconhecido, que terão sido rebeldes às suas leis, para enviá-los para expiar seus erros e seu endurecimento num mundo inferior, entre os seres ainda menos avançados; lá serão o que eram antes, moral e intelectualmente, mas numa condição tornada infinitamente mais penosa, pela própria natureza do globo, e sobretudo pelo meio no qual se encontrarão; estarão, em uma palavra, na posição de um homem civilizado forçado a viver entre os selvagens, ou de um homem bem educado condenado à sociedade dos forçados. Perderam sua posição, suas vantagens, mas não retrogradaram ao seu estado primitivo; de homens adultos não se tornaram crianças; eis o que é preciso entender pela não-retrogradação. Não tendo aproveitado o tempo, é para eles um trabalho a recomeçar.
Deus, em sua bondade, não quer deixá-los mais por muito tempo entre os bons, dos quais perturbariam a paz; por isso envia-os entre os homens que terão por missão fazer avançar, comunicando-lhes o que sabem; por esse trabalho eles mesmos poderão avançar e resgatar tudo, expiando suas faltas passadas, como o escravo que amontoa, pouco a pouco, o que comprar com a sua liberdade; mas, como o escravo, muitos não amontoam senão o dinheiro em lugar de amontoar as virtudes, as únicas que podem pagar seu resgate.
Tal é até este dia a situação de nossa Terra, mundo de expiação e de prova, onde a raça adâmica, raça inteligente, foi exilada entre as raças primitivas inferiores, que a habitavam antes dela. Tal é razão pela qual há tanta amargura neste mundo, amarguras que estão longe de sentirem no mesmo grau dos povos selvagens. Há certamente retrogradação do Espírito nesse sentido que recua seu adiantamento, mas não do ponto de vista de suas aquisições, em razão das quais e do desenvolvimento de sua inteligência, sua de- caída social lhe é mais penosa; é assim que o homem do mundo sofre mais num meio abjeto do que aquele que sempre viveu na lama.
Segundo um sistema, que tem alguma coisa de especial à primeira vista, os Espíritos não teriam sido criados para serem encarnados, e a encarnação não seria senão o resultado de suas faltas. Esse sistema cai por esta consideração de que, se nenhum Espírito tivesse falido, não haveria homens sobre a Terra nem sobre os outros mundos; ora, como a presença do homem é necessária para a melhoria material dos mundos; que ele concorre pela sua inteligência e sua atividade à obra geral, é um dos órgãos essenciais da criação. Deus não podia subordinar o cumprimento dessa parte de sua obra à queda eventual de suas criaturas, a menos que não contasse para isso sobre um número sempre suficiente de culpados para alimentar de obreiros os mundos criados e a criar. O bom senso repele tal pensamento.

A encarnação é, pois, uma necessidade para o Espírito que, para cumprir sua missão providencial, trabalha em seu próprio adiantamento pela atividade e a inteligência que lhe é preciso empregar para prover à sua vida e ao seu bem-estar; mas a encarnação se torna uma punição quando o Espírito, não tendo feito o que deve, é constrangido a recomeçar sua tarefa e multiplica suas existências corpóreas penosas pela sua própria falta.
Um escolar não chega a colar seus graus senão depois de ter passado pela fieira de todas as classes; são essas classes uma punição?
Não: são uma necessidade, uma condição indispensável de seu adiantamento; mas se, por sua preguiça, é obrigado a repeti-las, aí está a punição; poder passar algumas delas é um mérito.
Portanto, o que é verdade é que a encarnação sobre a Terra é uma punição para muitos daqueles que a habitam, porque teriam podido evitá-la, ao passo que, talvez, a dobraram, triplicaram, centuplicaram por sua falta, retardando assim sua a entrada nos mundos melhores. O que é falso é admitir em princípio a encarnação como um castigo.

Uma outra questão freqüentemente agitada é esta:
O Espírito sendo criado simples e ignorante com liberdade de fazer o bem ou o mal, não há queda moral para aquele que toma o mau caminho, uma vez que chega a fazer o mal que não fazia antes?

Esta proposição não é mais sustentável do que a precedente.
Não há queda senão na passagem de um estado relativamente bom a um estado pior; ora, o Espírito criado simples e ignorante está, em sua origem, num estado de nulidade moral e intelectual, como a criança que acaba de nascer; se não fez o mal, não fez, não mais, o bem; não é nem feliz nem infeliz; age sem consciência e sem responsabilidade; uma vez que nada tem, nada pode perder, e não pode, não mais, retrogradar; sua responsabilidade não começa senão do momento em que se desenvolve nele o livre arbítrio; seu estado primitivo não é, pois, um estado de inocência inteligente e racional; por conseqüência, o mal que faz mais tarde infringindo as leis de Deus, abusando das faculdades que lhes foram dadas, não é um retorno do bem ao mal, mas a conseqüência do mau caminho em que se empenhou.
Isso nos conduz a uma outra questão. Nero, por exemplo, pode, enquanto Nero, ter feito mais mal do que em sua precedente encarnação?
A isto respondemos sim, o que não implica que na existência em que teria feito menos mal fosse melhor.
Primeiro, o mal pode mudar de forma sem ser pior ou menos mal; a posição de Nero, como imperador, tendo-o colocado em evidência, o que ele fez foi mais notado; numa existência obscura pôde cometer atos também repreensíveis, embora sobre uma menor escala, e que passaram desapercebidos; como soberano pôde fazer queimar uma cidade; como simples particular pôde queimar uma casa e ali fazer perecer uma família; tal assassino vulgar que mata alguns viajantes para despojá-los, se estivesse sobre um trono, seria um tirano sanguinário, fazendo em grande o que sua posição não lhe permitia fazer senão em pequeno.
Tomando a questão sob um outro ponto de vista, diremos que um homem pode fazer mais mal numa existência do que na precedente, mostrar vícios que não tinha, sem que isso implique uma degenerescência moral; freqüentemente, o que faltam são as ocasiões para fazer o mal, quando o princípio existe em estado latente; chega a ocasião, e os maus instintos se mostram a nu.
A vida comum disso nos oferece numerosos exemplos:
tal homem que se acreditava bom, mostra de repente vícios que não se supunha, e disso se admira; muito simplesmente é que soube dissimular, ou que uma causa provocou o desenvolvimento de um mau germe.
É muito certo que aquele em que os bons sentimentos estão enraizados não tem mesmo o pensamento do mal; quando este pensamento existe, é que o germe existe: não falta senão a execução.
Depois, como dissemos, o mal, embora sob diferentes formas, não é por isso menos o mal. O mesmo princípio vicioso pode ser a fonte de uma multidão de atos diversos provindo de uma mesma causa; o orgulho, por exemplo, pode fazer cometer um grande número de faltas, às quais se está exposto, enquanto o princípio radical não for extirpado. Um homem pode, pois, numa existência, ter defeitos que não teriam se manifestado numa outra, e que não são senão conseqüências variadas de um mesmo princípio vicioso. Nero é para nós um monstro, porque cometeu atrocidades; mas crê-se que esses homens pérfidos, hipócritas, verdadeiras víboras que semeiam o veneno da calúnia, despojam as famílias pela astúcia e os abusos de confiança, que cobrem suas torpezas com a máscara da virtude para chegar, mais seguramente, aos seus fins e receberem os elogios quando merecem a execração, crê-se, dizemos, que valem mais do que Nero? Seguramente não; ser reencarnado num Nero não seria para eles uma decaída, mas uma ocasião de se mostrarem sob uma nova face; como tais exibirão os vícios que escondiam; ousarão fazer pela força o que faziam pela astúcia, eis toda a diferença. Mas essa nova prova não lhe tornará o castigo senão mais terrível, se, em lugar de aproveitar os meios que lhe são dados de reparar, servem-se deles para o mal. E, no entanto,cada existência, por má que ela seja, é uma ocasião de progresso para o Espírito; desenvolve a sua inteligência, adquire da experiência e dos conhecimentos que, mais tarde, ajudá-lo-ão a progredir moralmente.
REVISTA ESPÍRITA
JORNAL DE ESTUDOS PSICOLÓGICOS
PUBLICADA SOB A DIREÇÃO DE
ALLAN KARDEC
ANO 6 - JUNHO 1863 - Nº. 6
publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 22:35
Sexta-feira , 09 de Janeiro DE 2009

CLARA RIVIER

Era uma menina dos seus 10 anos, filha de uma família de camponeses do Sul da França. Havia já 4 anos que se achava profundamente enferma. Durante a vida nunca se lhe ouviu um queixume, um sinal de impaciência, e, conquanto desprovida de instrução, consolava a família nas suas aflições, comentando a vida futura e a felicidade que da mesma deveria decorrer. Desencarnou em setembro de 1862, após 4 dias de convulsivas torturas, durante as quais não cessava de orar. "Não temo a morte, dizia, por isso que depois dela me está reservada uma vida feliz." A seu pai, que chorava, dizia: "Consola-te, porque virei visitar-te; sinto que a hora se aproxima, mas, quando ela chegar, saberei prevenir-te." E, efetivamente, quando era iminente o momento fatal, chamou por todos os seus e disse-lhes: "Apenas tenho cinco minutos de vida; dêem-me as mãos." E expirou como previra.
Daí por diante, um Espírito batedor principiou a visitar a casa dos Rivier: - quebra tudo, bate na mesa, agita as roupas, as cortinas, a louça... Sob a forma de Clara ele aparece à irmã mais moça, que apenas conta 5 anos.
Segundo afirma essa criança, a irmã lhe aparece freqüentemente, e tais aparições lhe provocam exclamações de alegria como esta: "Mas vejam como Clara é bonita!"
1. - Evocação. - R. Aqui estou, disposta a responder-vos.
2. - Tão jovem quando encarnada, donde vos vinham as elevadas idéias sobre a vida futura, manifestadas neste mundo?
- R. Do pouco tempo que me cumpria passar no vosso planeta e da minha precedente encarnação. Eu era médium tanto ao deixar como ao voltar à Terra; predestinada, sentia e via o que dizia.
3. - Como se explica que uma criança da vossa idade não desse um só gemido durante quatro anos de sofrimento?
- R. Porque esse sofrimento físico era dominado por maior potência - a do meu guia, continuamente visível ao meu lado. Ele, ao mesmo tempo que me aliviava, sabia incutir-me uma força de vontade superior aos sofrimentos.
4. - Como vos apercebestes do momento decisivo da morte?
- R. Por influxo do meu anjo de guarda, que jamais me iludiu.
5. - Dissestes a vosso pai que se resignasse porque viríeis visitá-lo. Como se explica, pois, que, animada de tão bons sentimentos para com vossos pais, viésseis perturbá-los depois com arruídos em sua casa?
- R. É que eu tenho indubitavelmente uma provação, ou antes uma missão a realizar. Acreditais que venha ver meus pais sem fito algum? Esses rumores, essas lutas derivadas da minha presença são um aviso. Nisso sou também auxiliada por outros Espíritos cuja turbulência tem sua razão de ser, como razão de ser tem a minha aparição à irmãzinha... Graças a nós, muitas convicções vão despontar. Meus pais haviam de passar por uma provação. Bem cedo isso passará, mas não antes de terem convencido uma multidão de pessoas.
6. - Então não sois vós, individualmente, o autor desses rumores?
- R. Sou, porém ajudada por Espíritos ao serviço da provação reservada aos meus genitores.
7. - Como se explica, então, que a irmãzinha só vos reconhecesse, não sendo vós a autora exclusiva de tais manifestações?
- R. É que ela apenas me viu a mim.
Agora dispõe de vista dupla, e ainda terei de confortá-la muitas vezes com a minha presença.
8. - Qual a razão dos vossos sofrimentos mortificantes numa idade tão infantil?
- R. Faltas anteriores, expiação. Na precedente existência eu abusara da saúde, como da posição brilhante que ocupara. Eis por que Deus me disse: - "Gozaste demasiada e desmesuradamente; portanto, pagarás a diferença; eras orgulhosa, logo, serás humilde; vaidosa da tua beleza, importa que dela decaias, esforçando-te antes por adquirir a caridade e a bondade." Procedi consoante a vontade divina, e o meu guia me auxiliou.
9. - Quereis que digamos algo aos vossos pais?
- R. A pedido de um médium, eles já tiveram ensejo de praticar a caridade, de não orarem só com os lábios, e fizeram bem, porque cumpre fazê-lo também na prática, pelo coração. Socorrer os que sofrem é orar, é ser espírita. A todas as almas Deus concedeu livre-arbítrio, isto e, faculdade de progresso, como lhes deu a todas a mesma aspiração, e, por isso, mais do que geralmente se pensa, o avental roça pela toga bordada. Aproximai as distâncias pela caridade, dai guarida ao pobre em vossa casa, reanimai-o, não o humilheis. Se esta grande lei da consciência fosse geralmente praticada, o mundo não assistiria periodicamente a essas grandes penúrias que desonram a civilização dos povos, e que por Deus são enviadas para castigá-los e abrir-lhes os olhos. Queridos pais, orai.
Amai-vos, praticai a lei do Cristo: - Não façais a outrem o que não quiserdes que vos façam. Apelai para o Deus que vos experimenta, mostrando que a sua bondade é santa e infinita como Ele. Como previsão do futuro, armai-vos de coragem e perseverança, visto que sois chamados a sofrer ainda. Cumpre fazer jus à boa posição em mundo melhor, onde a compreensão da justiça divina se torna a punição dos maus Espíritos.
Queridos pais, estarei sempre perto de vós. Adeus, ou, antes, até à vista. Tende resignação, caridade, amor por vossos semelhantes, e um dia sereis felizes.
Clara.
Nota - "Mais do que geralmente se pensa, o avental roça pela toga bordada..."
Esta imagem belíssima é alusão aos Espíritos que, de uma a outra existência, passam de brilhantes a humílimas condições, expiando muitas vezes o abuso em relação aos dons que Deus lhes concedeu.
É uma justiça essa que está ao alcance de todos.
Profundo pensamento é também esse que atribui as calamidades coletivas à infração das leis divinas, porque Deus castiga os povos tanto quanto os indivíduos.
Realmente, pela prática da caridade, as guerras e as misérias acabariam por ser eliminadas. Pois bem, a prática dessa lei conduz ao Espiritismo e, quem sabe, será essa a razão de ter ele tantos e tão acérrimos inimigos? As exortações desta filha, aos pais, serão acaso as de um demônio?
Do livro O Céu e o Inferno Cap.VIII 2º parte
Allan Kardec
publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 02:44
Sábado , 20 de Dezembro DE 2008

O CAMINHO DA VIDA

A comparação que se segue pode ajudar a compreender as peripécias da vida da alma.
Suponhamos uma longa estrada, sobre o percurso da qual se encontram de distância em distância, mas em intervalos desiguais, florestas que é preciso atravessar; à entrada de cada floresta, a estrada larga e bela é interrompida e não retoma senão na saída. Um viajor segue essa estrada e entra na primeira floresta; mas lá, não encontra mais vereda batida; um dédalo inextrincável no meio do qual se perde; a claridade do Sol desapareceu sob o espesso maciço das árvores; ele erra sem saber para onde vai; enfim, depois de fadigas extraordinárias chega aos confins da floresta, mas abatido de fadiga, rasgado pelos espinhos, machucado pelos calhaus. Lá reencontra a estrada e a luz, e prossegue seu caminho, procurando se curar de suas feridas.
Mais longe, encontra uma segunda floresta, onde o esperam as mesmas dificuldades; mas já tem um pouco de experiência e dela sai menos contundido. Numa, encontra um lenhador que lhe indica a direção que deve seguir e impede-o de se perder. A cada nova travessia a sua habilidade aumenta, se bem que os obstáculos são mais e mais facilmente superados; seguro de reencontrar a bela estrada na saída, essa confiança o sustenta; depois sabe se orientar para encontrá-la mais facilmente.
A estrada termina no cume de uma montanha muito alta, de onde avista todo o percurso desde o ponto de partida; vê também as diferentes florestas que atravessou e se lembra das vicissitudes que experimentou, mas essa lembrança nada tem de penosa, porque alcançou o objetivo; é como o velho soldado que, na calma do lar doméstico, se lembra das batalhas às quais participou. Essas florestas disseminadas sobre a estrada são para ele como pontos negros sobre um quadro branco; ele diz a si mesmo: "Quando estava nessas florestas, nas primeiras vezes, sobretudo, como me pareciam longas para atravessar!
Parecia-me que não chegaria mais ao fim; tudo me parecia gigantesco e intransponível ao meu redor. E quando penso que, sem esse bravo lenhador que me recolocou no bom caminho, talvez estaria ali ainda! Agora que considero essas mesmas florestas, do ponto de vista onde estou, como me parecem pequenas! Parece-me que, com um passo, teria podido transpô-las; bem mais, a minha vista as penetra e nelas distingo os menores detalhes; vejo até as faltas que cometi". Então um velho lhe diz:
- Meu filho, eis-te no fim da viagem, mas um repouso indefinido te causaria logo um tédio mortal, e ficarias a lamentar as vicissitudes que experimentaste e que deram atividade aos teus membros e ao teu Espírito. Vês daqui um grande número de viajores sobre a estrada que percorreste, e que, como tu, correm risco de se perder no caminho; tens a experiência, não temes mais nada; vai ao seu encontro e, pelos teus conselhos, trata de guiá-los, a fim de que cheguem mais cedo.
- Vou com alegria, redargue nosso homem; mas, ajuntou, por que não há uma estrada direta do ponto de partida até aqui? Isso pouparia, aos viajores, passar por essas abomináveis florestas.
- Meu filho, replica o ancião, olha bem nelas e verás que muitos evitam um certo número delas; são aqueles que, tendo adquirido mais cedo a experiência necessária, sabem tomar um caminho mais direto e mais curto para chegar; mas essa experiência é o fruto do trabalho que as primeiras travessias necessitaram, de tal sorte que não chegam aqui senão em razão do seu mérito. Que saberias, tu mesmo, se por ali não tivesses passado? A atividade que deveste desdobrar, os recursos de imaginação que te foram necessários para te traçar um caminho, aumentaram os teus conhecimentos e desenvolveram a tua inteligência; sem isso, serias novato como em tua partida.
E depois, procurando tirar-te dos embaraços, tu mesmo contribuíste para a melhoria das florestas que atravessaste; o que fizeste é pouca coisa, imperceptível; mas pensa nos milhares de viajores que o fazem também, e que, trabalhando para si mesmos, trabalham, sem disso desconfiarem, para o bem comum. Não é justo que recebam o salário de seu trabalho no repouso do qual gozam aqui? Que direito teriam a este repouso se nada tivessem feito?
- Meu pai, questiona o viajor, numa dessas florestas, encontrei um homem que me disse: "Sobre a borda há um imenso abismo que é preciso transpor de um salto; mas, sobre mil, apenas um consegue; todos os outros lhe caem no fundo, numa fornalha ardente e estão perdidos sem retorno. Esse abismo eu nunca vi".
- Meu filho, é que não existe, de outro modo isso seria uma armadilha abominável estendida a todos os viajores que viessem em minha casa. Eu bem sei que lhes é preciso superar as dificuldades, mas sei também que, cedo ou tarde, as superarão; se tivesse criado impossibilidades para um único, sabendo que deveria sucumbir, teria sido cruel, e com mais forte razão se o fizera para o grande número. Esse abismo é uma alegoria da qual vais ver a explicação.
Olha sobre a estrada, nos intervalos das florestas; entre os viajores, vês os que caminham lentamente, com um ar feliz, vês esses amigos que se perderam de vista nos labirintos da floresta, como estão felizes em se reeencontrarem na saída; mas, ao lado deles, há outros que se arrastam penosamente; são estropiados e imploram a piedade dos que passam, porque sofrem cruelmente das feridas que, por sua falta, fizeram a si mesmos atravessando os espinheiros; mas disso se curarão, e isso será, para eles, uma lição da qual aproveitarão na nova floresta que terão que atravessar, e de onde sairão menos machucados.
O abismo é a figura dos males que sofrem, e dizendo que sobre mil só um o transpõe, esse homem teve razão, porque o número dos imprudentes é muito grande; mas errou dizendo que, uma vez caído dentro, dele não se sai mais; há sempre uma saída para chegar a mim. Vai, meu filho, vai mostrar essa saída àqueles que estão no fundo do abismo; vai sustentar os feridos da estrada e mostra o caminho àqueles que atravessam as florestas.
A estrada é a figura da vida espiritual da alma, sobre o percurso da qual se é mais ou menos feliz; as florestas são as existências corpóreas, onde se trabalha para o seu adiantamento, ao mesmo tempo que para a obra geral.
O viajante que chega ao objetivo e que retorna para ajudar aqueles que estão atrasados, é a dos espíritos guardiães, missionários de Deus, que encontram a sua felicidade em seu objetivo, mas também na atividade que desdobram para fazerem o bem e obedecerem ao supremo Senhor.
Allan Kardec - Obras Póstumas
publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 16:39

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