Domingo , 07 de Junho DE 2009

A ÚNICA DÁDIVA

Irmão X

Consta-se que Simão Pedro estava cansado, depois de vinte dias junto do povo.
Banhara ferimentos, alimentara mulheres e crianças esquálidas, e, em vez de receber a aprovação do povo, recolhia insultos velados, aqui e ali...
Após três semanas consecutivas de luta, fatigara-se e preferira isolar-se entre alcaparreiras amigas.
Por isso mesmo, no crepúsculo anilado, estava, ele só, diante das águas, a refletir...
Aproxima-se alguém, contudo...
Por mais busque esconder-se, sente-se procurado.
E o próprio Cristo.
- Que fazeis, Pedro? – diz-lhe o Senhor.
- Penso, Mestre.
E o diálogo prolongou-se.
- Estás triste?
- Muito triste.
- Por que?
- Chamam-me ladrão.
- Mas se a consciência te não acusa, que tem isso?
- Sinto-me desditoso: Em nome do amor que me ensinas, alivio os enfermos e ajudo aos necessitados. Entretanto, injuriam-me. Dizem por aí que furto, que exploro a confiança do povo... Ainda ontem, distribuía os velhos mantos que nos foram cedidos pela casa de Carpo, entre os doentes chegados de Jope. Alegou alguém, inconsideradamente, que surripiei a maior parte. Estou exausto, Mestre. Vinte dias de multidão pesam muito mais que vinte anos de serviço na barca.
- Pedro, que deste aos necessitados nestes últimos vintes dias?
- Moedas, túnicas, mantos, ungüentos, trigo, peixe...
- De onde chegaram as moedas?
- Das mãos de Joana, a mulher de Cusa.
- As "túnicas"?
- Da casa de Zobalan, o curtidor.
- Os mantos?
- Da residência de Carpo, o romano que decidiu amparar-nos.
- Os ungüentos.
- Do lar de Zebebeu, que os fabrica.
- O trigo.
- Da seara de Zaqueu, que se lembra de nós.
- E os peixes?
- Da nossa pesca.
- Então, Pedro?
- Que devo entender, Senhor?
-Que apenas entregamos aquilo que nos foi ofertado para distribuirmos, em favor dos que necessitam. A Divina Bondade conjuga as circunstâncias e confia-nos de um modo ou de outro os elementos que devamos movimentar nas obras do bem... Disseste servir em nome do amor...
- Sim, Mestre...
- Recorda, então, que o amor não relaciona calúnias, nem conta sarcasmos.
O discípulo, entremostrando súbita renovação mental, não respondeu.
Jesus abraçou-o e disse:
- Pedro, todos os bens da vida podem ser transmitidos de sítio a sítio e de mão em mão... Ninguém pode dar, em essência, esse ou aquele patrimônio do mundo, senão o próprio Criador, que nos empresta os recursos por Ele gerados na Criação... E, se algo podemos damos dar de nós, o amor é a única dádiva que podemos fazer, sofrendo e renunciando por amor...
O apóstolo compreendeu e beijou as mãos que o tocavam de leve.
Em seguida, puseram-se ambos a falar alegremente sobre as tarefas esperadas para o dia seguinte.

Psicografia: Francisco Cândido Xavier.Aliança Espírita - Maio de 2000.
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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 02:28
Domingo , 05 de Abril DE 2009

DE PÉ OS MORTOS

Senhor!
O Brasil é o coração do Mundo e o coração nunca dorme.
É a Pátria do Evangelho, é a Terra espiritual do testemunho.
Confiaste-lhe a Árvore de Teu Infinito Amor e no País da Fraternidade estenderam-se-lhe os ramos verdes e fartos, acolhendo as criaturas.
Abençoaste os que choram. O Brasil incorporou torturados e oprimidos de outras raças à sua família generosa.
Atendeste a injustiçados. O Brasil sempre abrigou os perseguidos, proporcionando-lhes vida nova.
Exaltaste os pacíficos. O Brasil exerceu, em todo tempo, a bondade e a tolerância, perdoando criminosos, anistiando rebeldes, esquecendo traições e calúnias, por acolher irmãos bem-amados.
Elevaste os limpos de coração. O Brasil nunca tingiu as mãos no sangue fratricida, nas horas culminantes de renovação política, aceitando-Te os desígnios nos instantes solenes de sua história.
-o-
Determinaste que os homens se amem uns aos outros, como nos amaste. O Brasil abriu suas portas de oito mil quilômetros de extensão à frente do mar e recebeu fraternalmente os filhos de todos os povos do globo, sem preconceitos de cor, de sangue, de nacionalidade, de religião.
-o-
Agora, Senhor, neste momento grave do mundo, o Teu grande Brasil, nossa Pátria, foi chamado à defesa da verdade contra a mentira e a impostura.
Não Te reclamamos a assistência necessária. Sabemos que Tuas mãos misericordiosas pousam no leme, guiando aqueles que governam o destino dos filhos do Cruzeiro; mas, neta hora de suprema determinação histórica, reafirmamos-Te confiança e pedimos derrames Tua luz em cada coração, em cada anseio materno, em cada recanto do lar, para que todo o Brasil compreenda que esta não é uma guerra de irmãos contra irmãos, porém, a da luz contra as sombras, da civilização contra a barbaria, do direito contra a força, do equilíbrio contra a demência.
-o-
Sabemos que preservarás a Pátria do Evangelho, desde o vale do Amazonas às coxilhas do Rio Grande, envolvendo-a nas dobras do pendão auriverde, em que colocaste um coração azul enfeitado de estrelas, símbolo de Tuas sagradas esperanças; que irás de norte a sul, inspirando os que administram, orientando resoluções sábias, encorajando as mães, iluminando o conselho dos velhos, renovando energias da juventude, unificando o pensamento nacional. Entretanto, rogamos esclareças a todos os brasileiros, para que cada um se integre no espírito de serviço que dignifica o dever, a responsabilidade, o trabalho, a ordem e a disciplina. Auxilia-os a fazerem cessar neste momento as paixões, contendas, suspeitas, opiniões individualistas, interpretações políticas e sectarismos religiosos, a fim de que paire, acima das preocupações inferiores, a visão do Brasil imperecível, na integridade gloriosa dos bens que nos confiaste.
-o-
Nós, os “mortos” da Pátria, estamos igualmente de pé.
Aqui nos encontramos para dizer aos nossos irmãos que a Vida Eterna resume as realidades sublimes e imortais, e que entrelaçaremos nossas mãos com as deles, nos testemunhos necessários.
-o-
Jesus, acrescenta valores aos nossos valores, como tens acrescentado confiança à nossa fé; ensina-nos a transportar a flâmula auriverde, do topo radiante dos mastros aos nossos corações, a fim de a içarmos bem alto no cimo da consciência.
Senhor, o Brasil permanece contigo, por expulsar do templo da vida os vendilhões do direito e da paz, e cada brasileiro reconhece que Tu estás conosco, porque a Tua cruz é símbolo de resistência heróica e porque sabemos que combates, desde o primeiro dia do Evangelho, na guerra do bem contra o mal, que ainda não terminou.
Livro – Histórias e Anotações – Francisco Cândido Xavier – Irmão X


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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 02:01
Sexta-feira , 06 de Fevereiro DE 2009

A ESCRAVA DO SENHOR

Quando João, o discípulo amado, veio Ter com Maria, anunciando-lhe a detenção do Mestre, o coração materno, consternado, recolheu-se ao santuário da prece e rogou ao Senhor Supremo poupasse o filho querido. Não era Jesus o Embaixador Divino? Não recebera a notificação dos anjos, quanto à sua condição celeste? Seu filho amado nascera para a salvação dos oprimidos... Ilustraria o nome de Israel, seria o rei diferente, cheio de amoroso poder. Curava leprosos, levantava paralíticos sem esperança. A ressurreição de Lázaro, já sepultado, não bastaria para elevá-lo ao cume da glorificação?
E Maria confiou ao Deus de Misericórdia suas preocupações e súplicas, esperando-lhe a providência; entretanto, João voltou em horas breves, para dizer-lhe que o Messias fora encarcerado.
A Mãe Santíssima regressou à oração em silêncio. Em pranto, implorou o favor do Pai Celestial. Confiaria nEle.
Desejava enfrentar a situação, desassombradamente, procurando as autoridades de Jerusalém. Mas, humilde e pobre, que conseguiria dos poderosos da Terra? E, acaso, não contava com a proteção do Céu? Certamente, o Deus de Bondade Infinita, que seu filho revelara ao mundo, salvá-lo-ia da prisão, restituí-lo-ia à liberdade.
Maria manteve-se vigilante. Afastando-se da casa modesta a que se recolhera, ganhou a rua e intentou penetrar o cárcere; todavia, não conseguiu comover o coração dos guardas.
Noite alta, velava, súplice, entre a angústia e a confiança.
Mais tarde, João voltou, comunicando-lhe as novas dificuldades surgidas. O Mestre fora acusado pelos sacerdotes. Estava sozinho. E Pilatos, o administrador romano, hesitando entre os dispositivos da lei e as exigências do povo, enviara o Mestre à consideração de Herodes.
Maria não pôde conter-se. Segui-lo-ia de perto.
Resoluta, abrigou-se num manto discreto e tornou à via Pública, multiplicando as rogativas ao Céu, em sua maternal aflição. Naturalmente, Deus modificaria os acontecimentos, tocando a alma de Antipas. Não duvidaria um instante. Que fizera seu filho para receber afrontas? Não reverenciava a lei? Não espalhava sublimes consolações? Amparada pela convertida de Magdala, alcançou as vizinhanças do palácio do tretarca. Oh! Infinita amargura! Jesus fora vestido com uma túnica de ironia e ostentava, nas mãos, uma cana suja à maneira de cetro e, como se isso não bastasse, fora também coroado de libertar-lhe a fronte sangrenta e arrebatá-lo da situação dolorosa, mas o filho, sereno e resignado, endereçou-lhe o olhar mais significativo de toda a existência. Compreendeu que ele a induzia à oração e, em silêncio, lhe pedia confiança no Pai. Conteve-se, mas o seguiu em pranto, rogando a intervenção divina. Impossível que o Pai não se manifestasse. Não era seu filho o escolhido para a salvação? Lembrou-lhe a infância, amparada pelos anjos... Guardava a impressão de que a Estrela Brilhante, que lhe anunciara o nascimento, ainda resplandecia no alto!...
A multidão estacou, de súbito. Interrompera-se a marcha para que o governador romano se pronunciasse em definitivo.
Maria confiava. Quem sabe chegara o instante da ordem de Deus? O Supremo Senhor poderia inspirar diretamente o juiz da causa.
Após ansiedades longas, Pôncio Pilatos, num esforço extremo para salvar o acusado, convidou a turba farisaica a escolher este Jesus, o Divino Benfeitor, e Barrabás, o bandido. O povo ia falar e o povo devia muitas benções ao seu filho querido. Como equiparar o Mensageiro do Pai ao malfeitor cruel que todos conheciam? A multidão, porém, manifestou-se, pedindo a liberdade para Barrabás e a crucificação para Jesus. Oh! - pensou a mãe atormentada - onde está o Eterno que não me ouve as orações? Onde permanecem os anjos que me falavam em luminosas promessas?
Em copioso pranto, viu seu filho vergado ao peso da cruz. Ele caminhava com dificuldade, corpo trêmulo pelas vergastadas recebidas e, obedecendo ao instinto natural, Maria avançou para oferecer-lhe auxílio. Contiveram-na, todavia, os soldados que rodeavam o Condenado Divino.
Angustiada, recordou-se repentinamente de Abraão. O generoso patriarca, noutro tempo, movido pela voz de Deus, conduzira o filho amado ao sacrifício. Seguira Isaac inocente, dilacerado de dor atendendo a recomendação de Jeová, mas, eis que no instante derradeiro, o Senhor determinou o contrário, e o pai de Israel regressara ao santuário doméstico em soberano triunfo. Certamente, o Deus Compassivo escutava-lhe as súplicas e reservava-lhe júbilo igual. Jesus desceria do Calvário, vitorioso, para o seu amor, continuando no apostolado da redenção; no entanto, dolorosamente surpreendida, viu-o içado no madeiro, entre ladrões.
Oh! A terrível angústia daquela hora!! ... Por que não a ouvira o Poderoso Pai?? Que fizera para não lhe merecer a benção?
Desalentada, ferida, ouvia a voz do filho, recomendando-a aos cuidados de João, o companheiro fiel. Registrou-lhe, humilhada, as palavras derradeiras. Mas, quando a sublime cabeça pendeu inerte, Maria recordou a visita do anjo, antes do Natal Divino. Em retrospecto maravilhoso, escutou-lhe a saudação celestial. Misteriosa força assenhoreava-se-lhe do espírito.
Sim... Jesus era seu filho, todavia, antes de tudo, era o Mensageiro de Deus. Ela possuía desejos humanos, mas o Supremo Senhor guardava eternos e insondáveis desígnios. O carinho materno poderia sofrer, contudo, a Vontade Celeste regozijava-se. Poderia haver lágrimas em seus olhos, mas brilhariam festas de vitória no Reino de Deus. Suplicara aparentemente em vão, porquanto, certo, o Todo-Poderoso atendera-lhe os rogos, não segundo os seus anseios de mãe e sim de acordo com seu planos divinos.
Foi então que, Maria, compreendendo a perfeição, a misericórdia e justiça da Vontade do Pai, ajoelhou-se aos pés da cruz e, contemplando o filho morto, repetiu as inesquecíveis afirmações: - "Senhor, eis aqui a tua serva! Cumpra-se em mim, segundo a tua palavra!".
Irmão X.
Do livro Lázaro Redivivo. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.

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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 17:53
Terça-feira , 03 de Fevereiro DE 2009

FILHA REBELDE

- Minha filha – dizia Dona Matilde à Emilinha -, é preciso atender ao problema espiritual, orientar o sentimento à luz do Cristo. A existência terrestre oferece surpresas inúmeras e almas desprevenidas costumam cair, desastradamente. Não podemos prescindir da vigilância.
A jovem, depois de gargalhar ironicamente, replicava:
- Ora, mamãe, não necessito de sermões encomendados. Esteja tranqüila. Seus conselhos são muito antiquados e talvez desconheça a senhora as reviravoltas do mundo. Suas observações são descabidas e, além disto, sou dona de minha vontade, faço o que entendo.
- Sim, Emilinha – tornava a mãe paciente -, sei que você é senhora de si, mas o cuidado materno obriga-me a esclarecê-la, ainda que você, presentemente, não me possa aceitar as opiniões. Quem é mãe sofre muito por desvelar-se junto dos filhos...
- Por que teima em sofrer? – exclamava a interlocutora, cortando-lhe a palavra – estamos na época de aniquilamento do passadismo.
Como a nobre genitora enxugasse os olhos em pranto, observava, rebelde:
- Não precisará desfiar o rosário de lágrimas. Para quê?
Era assim a situação entre Dona Matilde e a moça altaneira. A generosa senhora, dedicada servidora do Cristo, já não sabia como proceder. Viúva, com três filhas solteiras, desvelava-se, carinhosa, para que lhes não faltasse o necessário. Sacrificava-se continuadamente pelo bem-estar delas. Privava-se de satisfações próprias, sujeitava-se ao trabalho mal remunerado, desequilibrava a saúde pelo excesso de atividade nas obrigações diárias, substituindo a falta do esposo e atendendo ao próprio dever. Se Eulália e Cassilda, as duas filhas mais novas, de alguma sorte lhe compreendiam os sacrifícios, Emilinha, a mais velha, tratava-a rudemente, sem a menor consideração. Criticava-lhe os mínimos gestos. Dona Matilde raramente se dava ao prazer de palestrar com as visitas. Eram tão ásperas as intromissões da filha, tão grosseiros os modos, ante a presença de estranhos, que a nobre senhora se mantinha em silêncio, humilhada. Se comentava o dever, referia-se Emilinha a conceitos modernos da vida; se aventurava uma opinião inocente em qualquer assunto, tratava a filha de se mostrar superior.
Quando voltava Dona Matilde das reuniões evangélicas, reportando-se às consolações e ensinamentos recolhidos, convertia-se a jovem num elemento escarnecedor.
- Ora, mamãe – dizia, sarcástica -, com que então a senhora se consagrou à teologia? Já não fala senão em assuntos de religião...
- Ah! Minha filha – replicava a genitora, cuidadosa na fé -, não sorrias da verdade para que ela, mais tarde, não venha a sorrir de ti. Lembra-te de nossos imperiosos deveres para com Jesus!
Após o riso mordaz, a filha revidava:
- A senhora adquiriu maneiras de sacerdote. Não concordo com as suas teorias de sobrevivência e reencarnação.
E lembrando, enfática, as revistas cientificas que costumava compulsar, por vaidade, concluía presunçosamente:
- Não passamos de experiência biológica da Natureza no campo da racionalidade humana. O resto é ilusão, que devemos relegar ao fanatismo religioso.
A viúva, a principio, discutia e argumentava, esclarecendo-a com a verdade espiritual, mas observando o endurecimento da filha, retraiu-se, pouco a pouco, dando-lhe o exemplo da própria ação e abstendo-se de muitas palavras.
E Emilinha fez no mundo o que lhe pareceu melhor, nos domínios do capricho e da irreflexão criminosa, contraindo pesados débitos e agravando responsabilidades, surda às advertências maternas.
O tempo, a dor e a morte, todavia, são os cobradores da realidade. Ao influxo desse trio implacável, tanto Dona Matilde quanto as filhas foram reconduzidas à vida nova, além do túmulo.
Emilinha, porém, agora afastada do grupo familiar, experimentava rudes provações em círculo de sombras. Era freqüentemente visitada pela mãezinha generosa, mas lhe identificava a presença, nem lhe ouvia a voz encorajadora, por trazer a mente absorvida por negras visões e vozes angustiadas.
Anos correram, quando Dona Matilde deliberou voltar à esfera carnal, em continuação do seu plano de serviço redentor. A filha penitente ficaria, doravante, sem o seu amparo direto. Meditando a situação, a devotada genitora implorou recursos novos. Não desejava mostrar-se insensível e, além do mais, Emilinha, sempre desajuizada, era a filha que mais necessitava dos desvelos maternais. E, ali, na paisagem tenebrosa, ante os padecimentos da ingrata, a nobre criatura intercedeu, fervorosa, empenhando o coração.
A resposta divina não se fez esperar. Emilinha, deslumbrada, reviu a mãezinha pela primeira vez. Indescritível o contentamento de ambas. Beijaram-se com júbilo das profundas ansiedades, longamente reprimidas.
Após confortar-lhe a alma ulcerada, Dona Matilde deu-lhe a conhecer o projeto em organização. Regressaria à Terra, recomeçaria as tarefas inacabadas do processo de redenção que lhe dizia respeito. Emilinha ouviu, inquieta, e considerou:
- Mamãe, a senhora me aceitaria, de novo, ao seu lado?
- Como não, minha filha? – replicou a entidade amorosa – se permitir o Senhor, reconstituiremos o nosso velho lar, voltando à paisagem de ouro tempo.
- Prometo compreendê-la – acrescentou a filha em pranto.
- Rogaremos essa bênção – falou a genitora, beijando-a, carinhosa.
Nesse instante, fez-se visível o generoso diretor espiritual daquela região de sofrimento retificador. Cumprimentou Dona Matilde atenciosamente, enquanto Emilinha se lhe rojava aos pés, rogando, comovida:
- Emissário de Jesus, que me conheceis os padecimentos, ajudai-me para que eu possa voltar à Terra, em companhia de minha mãe. Regressará ele aos círculos da carne e, se concordardes, poderei segui-la, prontificando-me a permanecer em serviço, até que ela me possa receber, novamente, nos braços maternais... Pelo amor de Deus, permiti a minha volta!
A sábia entidade contemplou-a, fraternalmente, e falou:
- No momento, minha irmão, não lhe será possível retirar-se daqui. Ainda precisará desgastar, por alguns anos, os envoltórios inferiores que criou em torno de si mesma. Seus atuais veículos de manifestação não lhe permitem, por enquanto, a vida em zona menos pesada que esta. No entanto, mais tarde, poderá voltar, viver ao lado de Matilde, receber-lhe o verbo carinhoso e ouvir-lhe os conselhos cristãos.
Emilinha, que não cabia em si de contente, elevou as mãos ao céu e exclamou:
- Graças a Deus!
O diretor espiritual, contudo, retomou a palavra e terminou:
- Não poderá, todavia voltar à situação de parentesco que já passou. Não tem títulos de serviço prestado que a autorizem, agora, a regressar como filha de Matilde, mas retornará você ao mundo, como criada humilde da sua residência, para que, na verdadeira condição de obediência, aprenda a valorizar o tesouro que Deus lhe concedeu.
Irmão X
Livro: Pontos e Contos
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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 03:16
Segunda-feira , 02 de Fevereiro DE 2009

JOANA DE CUZA

Entre a multidão que invariàvelmente acompanhava a Jesus nas pregações do lago, achava-se sempre uma mulher de rara dedicação e nobre caráter, das mais altamente colocadas na sociedade de Cafarnaum. Tratava-se de Joana, consorte de Cuza, intendente de Antipas, na cidade onde se conjugavam interesses vitais de comerciantes e de pescadores.
Joana possuía verdadeira fé; entretanto, não conseguiu forrar-se às amarguras domésticas, porque seu companheiro de lutas não aceitava as claridades do Evangelho. Considerando seus dissabores íntimos, a nobre dama procurou o Messias, numa ocasião em que ele descansava em casa de Simão e lhe expôs a longa série de suas contrariedades e padecimentos. O esposo não tolerava a doutrina do Mestre. Alto funcionário de Herodes, em perene contato com os representantes do Império, repartia as suas preferências religiosas, ora com os interesses da comunidade judaica, ora com os deuses romanos, o que lhe permitia viver em tranqüilidade fácil e rendosa. Joana confessou ao Mestre os seus temores, suas lutas e desgostos no ambiente doméstico, expondo suas amarguras em face das divergências religiosas existentes entre ela e o companheiro.
Após ouvir-lhe a longa exposição, Jesus lhe ponderou:
– Joana, só há um Deus, que é o Nosso Pai, e só existe uma fé para as nossas relações com o seu amor. Certas manifestações religiosas, no mundo, muitas vezes não passam de vícios populares nos hábitos exteriores. Todos os templos da Terra são de pedra; eu venho, em nome de Deus, abrir o templo da fé viva no coração dos homens. Entre o sincero discípulo do Evangelho e os erros milenários do mundo, começa a travar-se o combate sem sangue da redenção espiritual. Agradece ao Pai o haver-te julgado digna do bom trabalho, desde agora. Teu esposo não te compreende a alma sensível? Compreender-te-á um dia. É leviano e indiferente? Ama-o, mesmo assim. Não te acharias ligada a ele se não houvesse para isso razão justa. Servindo-o com amorosa dedicação, estarás cumprindo a vontade de Deus. Falas-me de teus receios e de tuas dúvidas. Deves, pelo Evangelho, amá-la ainda mais. Os sãos não precisam de médico. Além disso, não poderemos colher uvas nos abrolhos, mas podemos amanhar o solo que produziu cardos envenenados, afim de cultivarmos nele mesmo a videira maravilhosa do amor e da vida.
Joana deixava entrever no brilho suave dos olhos a íntima satisfação que aqueles esclarecimentos lhe causavam; mas, patenteando todo o seu estado dalma, interrogou :
– Mestre, vossa palavra me alivia o espírito atormentado; entretanto, sinto dificuldade extrema para um entendimento recíproco no ambiente do meu lar. Não julgais acertado que lute por impor os vossos princípios? Agindo assim, não estarei reformando o meu esposo para o céu e para o vosso reino?
O Cristo sorriu serenamente e retrucou :
– Quem sentirá mais dificuldade em estender as mãos fraternas, será o que atingiu as margens seguras do conhecimento com o Pai, ou aquele que ainda se debate entre as ondas da ignorância ou da desolação, da inconstância ou da indolência do espírito? Quanto à imposição das idéias – continuou Jesus, acentuando a importância de suas palavras – por que motivo Deus não impõe a sua verdade e o seu amor aos tiranos da Terra? Por que não fulmina com um raio o conquistador desalmado que espalha a miséria e a destruição, com as forças sinistras da guerra? A sabedoria celeste não extermina as paixões : transforma-as. Aquele que semeou o mundo de cadáveres desperta, às vezes, para Deu", apenas com uma lágrima. O Pai não impõe a reforma a seus filhos : esclarece-os no momento oportuno. Joana, o apostolado do Evangelho é o de colaboração com o céu, nos grandes princípios da redenção. Sê fiel a Deus, amando ao teu companheiro do mundo, como se fora teu filho. Não percas tempo em discutir o que não seja razoável. Deus não trava contendas com as suas criaturas e trabalha em silêncio, por toda a Criação. Vai!... Esforça-te também no silêncio e, quando convocada ao esclarecimento, fala o verbo doce ou enérgico da salvação, segundo as circunstâncias! Volta ao lar e ama ao teu companheiro como o material divino que o céu colocou em tuas mãos para que talhes uma obra de vida, sabedoria e amor!...
Joana do Cuza experimentava um brando alívio no coração. Enviando a Jesus um olhar de carinhoso agradecimento, ainda lhe ouviu as ultimas palavras :
– Vai, filha!... Sê fiel!

***
Desde êsse dia, memorável para a sua existência, a mulher de Cuza experimentou na alma a claridade constante de uma resignação sempre pronta ao bom trabalho e sempre ativa para a compreensão de Deus, como se o ensinamento do Mestre estivesse agora gravado indelevelmente em sua alma, considerou que, antes de ser esposa na Terra, já era filha daquele Pai que, do Céu, lhe conhecia a generosidade e os sacrifícios. Seu espírito divisou em todos os labores uma luz sagrada e oculta.
Procurou esquecer tôdas as características inferiores do companheiro, para observar somente o que possuía ele de bom, desenvolvendo, nas menores oportunidades, o embrião vacilante de suas virtudes eternas. Mais tarde, o céu lhe enviou um filhinho, que veio duplicar os seus trabalhos ; ela porém, sem olvidar as recomendações de fidelidade que Jesus lhe havia feito, transformava suas dores num hino de triunfo silencioso em cada dia.

Os anos passaram e o esforço perseverante lhe multiplicou os bens da fé, na marcha laboriosa do conhecimento e da vida. As perseguições políticas desabaram sobre a existência do seu companheiro. Joana, contudo, se mantinha firme. Torturado pelas idéias odiosas de vingança, pelas dívidas insolváveis, pelas vaidades feridas, pelas moléstias que lhe verminaram o corpo, o ex-intendente de Antipas voltou ao plano espiritual, numa noite de sombras tempestuosas. Sua esposa, todavia, suportou os dissabores mais amargos, fiel aos seus ideais divinos edificados na confiança sincera. Premida pelas necessidades mais duras, a nobre dama de Cafarnaum procurou trabalho para se manter com o filhinho, que Deus lhe confiara! Algumas amigas lhe chamaram a atenção, tomadas de respeito humano. Joana, no entanto, buscou e esclarecê-las, alegando que Jesus, igualmente, havia trabalhado, calejando as mãos nos serrotes de uma carpintaria singela e que, submetendo-se ela a uma situação de subalternidade no mundo, se dedicara primeiramente ao Cristo, de quem se havia feito escrava devotada.
Cheia de alegria sincera, a viúva de Cuza esqueceu o conforto da nobreza material, dedicou-se aos filhos de outras mães, ocupou-se com os mais subalternos afazeres domésticos, para que seu filhinho tivesse pão. Mais tarde, quando a neve das experiências do mundo lhe alvejou os primeiros anéis da fronte, uma galera romana a conduzia em seu bojo, na qualidade de serva humilde.

***
No ano 68, quando as perseguições ao Cristianismo iam intensas, vamos encontrar, num dos espetáculos sucessivos do circo, uma velha discípula do Senhor amarrada ao poste do martírio, ao lado de um homem novo, que era seu filho.
Ante o vozerio do povo, foram ordenadas as primeiras flagelações.
– Abjura!... – Exclama um executar das ordens imperiais, de olhar cruel e sombrio. Mas, a antiga discípula ao Senhor contempla o céu, sem uma palavra de negação ou de queixa. Então o açoite vibra sobre o rapaz seminu, que exclama, entre lágrimas: – “Repudia a Jesus, minha mãe!...
Não vês que nos perdemos?! Abjura!... por mim que sou teu filho!...”
Pela primeira vez, dos olhos da mártir corre a fonte abundante das lágrimas. As rogativas do filho são espadas de angústia que lhe retalham o coração.
– Abjura!... Abjura!
Joana ouve aqueles gritos, recordando a existência inteira. O lar risonho e festivo, as horas de ventura, os desgostos domésticos, as emoções maternais, os fracassos do esposo, sua desesperação e sua morte, a viuvez, a desolação e as necessidades mais duras... Em seguida, ante os apelos desesperados do filhinho, recordou que Maria também fora mãe e, vendo o seu Jesus crucificado no madeiro da infâmia, soubera conformar-se com os desígnios divinos. Acima de tôdas as recordações, como alegria suprema de sua vida, pareceu-lhe ouvir ainda o Mestre, em casa de Pedro, a lhe dizer: – “Vai filha! Sê fiel!” Então, possuída de força sobre-humana, a viúva de Cuza contemplou a primeira vítima ensangüentada e, fixando no jovem um olhar profundo e inexprimível, na sua dor e na sua ternura, exclamou firmemente:
– Cala-te, meu filho! Jesus era puro e não desdenhou o sacrifício. Saibamos sofrer na hora dolorosa, porque, acima de tôdas as felicidades transitórias do mando, é preciso ser fiel a Deus!
A êsse tempo, com os, aplausos delirantes do povo, os verdugos incendiavam, em derredor, achas de lenha embebidas em resina inflamável.Em poucos instantes, as labaredas lamberam-lhe o corpo envelhecido. João de Cuza contemplou, com serenidade, a massa de povo que lhe não entendia o sacrifício. Os gemidos de dor lhe morriam abafados no peito opresso. Os algozes da mártir cercaram-lhe de impropérios a fogueira:
– O teu Cristo soube apenas ensinar-te a morrer? – Perguntou um dos verdugos.
A velha discípula, concentrando a sua capacidade de resistência, teve ainda forças para murmurar :
– Não apenas a morrer, mas também a vos amar!...
Nesse instante, sentiu que a mão consoladora do Mestre lhe tocava suavemente os ombros, e lhe escutou a voz carinhosa e inesquecível:
– Joana, tem bom ânimo!... Eu aqui estou! ...
Irmão X - Humberto de Campos
Do livro “Boa Nova”. Psicografia de Francisco Cândido Xavier.



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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 02:07
Sexta-feira , 02 de Janeiro DE 2009

PÁTRIA DO EVANGELHO


Com a República, atingiu o Brasil a sua maioridade coletiva e as falanges do Infinito, naturalmente, concentraram as suas possibilidades e esforços no desenvolvimento da obra de Ismael no país do Cruzeiro.
Seus maiores eventos puramente políticos não deixaram, no entanto, de ser acompanhados pelos mensageiros do Bem, objetivando a tranqüilidade comum e a evolução geral.
Todavia, com o grande feito de 15 de novembro de 1889, terminamos este escorço, à guisa de história.
Outros, por certo, consultando as razões dos fatos relacionados no tempo, poderão apresentar trabalho mais pormenorizado e melhor, no domínio dos estudos transcendentes do psicólogo e do historiador, onde se emaranham as causas profundas dos menores acontecimentos, englobando as atividades de quantos, ainda encarnados, se encontram em evidência no país e são suscetíveis de apresentar, de futuro, mais amplos esclarecimentos.
Nosso objetivo, trazendo alguns apontamentos à história espiritual do Brasil, foi tão-somente encarecer a excelência da sua missão no planeta, demonstrando, simultaneamente, que cada nação, como cada indivíduo, tem sua tarefa a desempenhar no concerto dos povos. Todas elas têm seus ascendentes no mundo invisível, de onde recebem a seiva espiritual necessária à sua formação e conservação. E um dos fins principais do nosso esforço foi examinar, aos olhos de todos, a necessidade da educação pessoal e coletiva, no desdobramento de todos os trabalhos do país. Porque, a realidade é que o Brasil, na sua situação especialíssima e com o seu patrimônio imenso de riquezas, não poderá insular-se do resto do mundo ou acastelar-se na sua posição de Pátria do Evangelho, embora a época seja de autarquias detestáveis, neste período de decadência e transição de todos os sistemas sociais.
O maior problema é o da educação nacional, para que os filhos das outras terras, necessários e indispensáveis ao progresso econômico da nação, não se sintam dispostos a reviver, no Brasil, as taras de suas antigas organizações e sim, absorvidos no círculo espiritual do país do Evangelho, possam integrar as suas fileiras de fraternidade e evolução.
Apesar da recente filosofia do “bastar-se a si mesmo”, nenhum país do mundo pode viver independente da comunidade internacional. Toda a grandeza material de um povo repousa na regularidade dos fenômenos da troca e todas as guerras, quase sempre, têm origem na desarmonia do comércio entre as nações. No Brasil, a chamada contribuição estrangeira é indispensável; e o único recurso, contra a incursão do elemento nocivo ou ameaçador da instabilidade das instituições brasileiras, é a educação ampla do povo, em cujos labores sagrados deveriam viver todos os programas do bom nacionalismo.
Se muitas escolas existem no Sul, onde somente se ensina o idioma alemão, em muitos casos é porque os professores do Brasil não se decidiram a enfrentar as surpresas da região, a fim de zelarem pelo patrimônio intelectual dos novos operários da pátria.
Se algumas dezenas de agrônomos viram diretamente de Tóquio para os riquíssimos vales do Amazonas, é que os agrônomos brasileiros não se animaram a trabalhar no sertão hostil, receosos do sacrifício. Entretanto, não faltariam espíritos abnegados e corajosos, no seio do povo fraterno que floresce no coração geográfico do mundo, ansiosos por participarem da grande obra construtiva de organização cultural e econômica da terra em que se desenvolvem numa grande tarefa de amor, se os ambientes universitários, com as suas habilitações oficiais, não estivessem abertos somente à aristocracia do ouro. A palavra de um mestre custa uma fortuna, apenas suscetível de ser remunerada pelas famílias mais abastadas e mais favorecidas, e nem sempre nesses ambientes confortáveis se encontram as almas apaixonadas pela luta em prol do progresso comum.
Nesta época de confusão e amargura, quando, com as mais justas razões, se tem, por toda parte, a triste organização do homem econômico da filosofia marxista, que vem destruir todo o patrimônio de tradições dos que lutaram e sofreram no pretérito da humanidade, as medidas de repressão e de segurança devem ser tomadas a bem das coletividades e das instituições, a fim de que uma onda inconsciente de destruição e morticínio não elimine o altar de esperanças da pátria. Que o capitalismo, visando a própria tranqüilidade coletiva, seja chamado pelas administrações ao debate, a incentivar com os seus largos recursos a campanha do livro, do saneamento e do trabalho, em favor da concórdia universal.
Não nos deteremos a falar, depois da República, de quantos se encontram ainda no cenáculo das atividades e dos feitos do país, porquanto semelhante ação de nossa parte constituiria uma intervenção indébita nas iniciativas e empreendimentos dos “vivos”.
Jesus, que é a suprema personificação de toda a misericórdia e de toda a justiça, auxiliará a cada qual, no desdobramento dos seus esforços para glória da nacionalidade.
O Brasil está cheio de ideologias novas, refletindo a paisagem do século; cabe aos bons operários do Evangelho concentrar suas atividades no esclarecimento das almas e na educação dos espíritos.
Todas as fórmulas humanas, dentro das concepções que exprimam, por mais alevantadas que se afigurem, são perecíveis e transitórias. A política sofrerá, no curso dos séculos, as alternativas do direito da força e da força do direito, até que o planeta possa atingir relativa perfeição social, com a cultura generalizada. A Ciência, como a Filosofia e as escolas sectárias, viverá entre dúvidas e vacilações, assentando seus feitos na areia instável das convenções humanas. Só o legítimo ideal cristão, reconhecendo que o reino de Deus ainda não é deste mundo, poderá, com a sua esperança e o seu exemplo, espiritualizar o ser humano, espalhando com os seus labores e sacrifícios as sementes produtivas na construção da sociedade do futuro.
Conhecedores dessa grande verdade, supliquemos a Jesus se digne derramar do orvalho de seu amor sobre os vermes da Terra.
Que as falanges de Ismael possam, aliadas a quantos se desvelam pela sua obra divina, reunir o material disperso e que a Pátria do Evangelho mais ascenda e avulte no concerto dos povos, irradiando a paz e a fraternidade que alicerçam, indestrutivelmente, todas as tradições e todas as glórias do Brasil.


Livro – “Brasil – Coração do Mundo – Pátria do Evangelho” - Espírito: Humberto de Campos
Psicografia: Francisco C. Xavier

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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 00:22
Sexta-feira , 19 de Dezembro DE 2008

ORAÇÃO DO NATAL


Senhor Jesus. Há quase dois milênios, estabelecias o Natal com a tua doce humildade na manjedoura, onde te festejaram todas as harmonias da natureza. Reis e pastores vieram de longe, trazendo-te ao berço pobre o testemunho de sua alegria e de seu reconhecimento. As estrelas brilharam com luz mais intensa nos fulgores do céu e uma delas destacou-se no azul do firmamento, para clarificar o suave momento de tua glória. Desde então, Senhor, o mundo inteiro, pelos séculos afora, cultivou a lembrança da tua grande noite, extraordinária de luz e de belezas diversas.
Agora, porém, as recordações do Natal são muito diversas.
Não se ouvem mais os cânticos dos pastores, nem se percebem os aromas agrestes da Natureza.
Um presepe do século XX seria certamente arrranjado com eletricidade, sobre uma base de bombas e de metralhadoras, onde aquela legenda suave do "Gloria in excelsis Deo" seria substituída por um apelo revolucionário dos extremismos politicos da atualidade.
As comemorações já não são as mesmas.
Os locutores de rádio falarão da tua humildade, no cume dos arranha-céus, e, depois de um programa armamentista, estranharão, para os seus ouvintes, que a tua voz pudesse abençoar os pacificos, prometendo-lhes um lugar de bem-aventurados, embora haja isso ocorrido há dois mil anos.
Numerosos escritores falarão, em suas crônicas elegantes, sobre as crianças abandonadas, estampando nos diários um conto triste, onde se exalte a célebre virtude cristã da caridade; mas, daí a momentos, fecharão a porta dos seus palacetes ao primeiro pobrezinho.
Contudo, Senhor, entre os superficialismos desta época de profundas transições, almas existem que te esperam e te amam. Tua palavra sincera e branda, doce e enérgica, lhes magnetiza os corações, na caprichosa e interminável esteira do tempo. Elas andam ocultas nas planícies da indiferença e nas montanhas de iniquidade deste mundo. Conservam, porém, consigo a mesma esperança na tua inesgootável misericórdia.
É com elas e por elas que, sob as tuas vistas amoráveis, trabalham os que já partiram para o mundo das suaves revelações da Morte. É com a fé admirável de seus corações que semeamos, de novo, as tuas promessas imortais, entre os escombros de uma civilização que está agonizando, à míngua de amor.
E por essa razão que, sem nos esquecermos dos pequeninos que agrupavas em derredor da tua bondade, nos recordamos hoje, em nossa oração, das crianças grandes, que são os povos deste século de pomposas ruínas.
Tu, que és o príncipe de todas as nações e a base sagrada de todos os surtos evolutivos da vida planetária; que és a misericórdia infinita, rasgando todas as fronteiras edificadas no mundo pelas misérias humanas, reúne a tua família espiritual, sob as algemas da fraternidade e do bem que nos ensinaste! ...
Em todos os recantos do orbe, há bocas que maldizem e mãos que exterminam os seus semelhantes. Os espíritos das trevas fazem chover o fogo de suas forças apocalípticas sobre as organizações terrestres, ateando o sinistro incêndio das ambições, na alma de multidões alucinadas e desvalidas. Por toda a parte, assomam os falsos ídolos da impenitência do mundo e místicas políticas, saturadas do vírus das mais nefastas paixões, entornam sobre os espíritos o vinho ignominioso da Morte.
Mas, nós sabemos, Senhor, como são falazes e enganadoras as doutrinas que se afastam da seiva sagrada e eterna dos teus ensinos, porque dissipas misericordiosamente a confusão de todas as almas, ainda que os seus arrebatamentos se apóiem nas paixões mais generosas.
Tu, que andavas descalço pelos caminhos agrestes da Galileia, faze florescer, de novo, sobre a Terra, o encanto suave da simplicidade no trabalho, trazendo ao mundo a luz cariciosa de tua oficina de Nazaré! ...
Tu, que és a essência de nossos pensamentos de verdade e de luz, sabes que todas as dores são irmãs umas das outras, bem como as esperanças que desabrocham nos corações dos teus frágeis tutelados, que vibram nos mesmos ideais, aquém ou além das linhas arbitrárias que os homens intitularam de fronteiras!
Todas as expressões da filosofia e da ciência dos séculos terrenos passaram sobre o mundo, enchendo as almas de amargosas desilusões. Numerosos sábios e numerosos políticos te ridicularizaram, desdenhando as tuas lições inesquecíveis. mas, nós sabemos que existe uma verdade que dissimulaste aos mais inteligentes para a revelares às criancinhas, encontrada, aliás, por todos os homens, fiilhos de todas as raças, sem distinção de crenças ou de pátrias, de tradições ou de família, que pratiquem a caridade em teu nome ...
Pastor do rebanho de ovelhas tresmalhadas, desde o primeiro dia em que o sopro divino da vontade do Nosso Pai fêz brotar a erva tenra, no imenso campo da existência terrestre, pairas acima de todos os povos e de suas transmigrações incessantes, no curso do tempo, ensinando as criaturas humanas a considerar o nada de suas inquietações, em face do dia glorioso e infinito da Eternidade! ...
Agora, Senhor, que as línguas da impiedade conclamam as nações para um novo extermínio, manifesta a tua bondade, ainda uma vez, aos homens infelizes, para que compreendam, a tempo, a extensão do seu ódio e de sua perversidade.
Afasta o dragão da guerra de sobre o coração dilacerado das mães e das crianças de todos os países, curando as chagas dos que sangram de dor selvagem à beira dos caminhos.
Revela aos homens que não há outra força além da tua e que nenhuma proteção pode existir, além daquela que se constitui da segurança de tua guarda!
Ensina aos sacerdotes de todas as crenças do Globo, que falam em teu nome, o desprendimento e a renúncia dos bens efêmeros da vida material, a fim de que entendam as virtudes do teu reino, que ainda não reside nas suntuosas organizações dos Estados deste mundo!
Tu, que ressuscitaste Lázaro das sombras do sepulcro, revigora o homem moderno, no túmulo das suas vaidades apodrecidas !
Tu, que fizeste que os cegos vissem, que os mudos falassem, abre de novo os olhos rebeldes de tuas ovelhas ingratas e desenrola as línguas da verdade e do direito, que o medo paralisou, nesta hora torva de penosos testemunhos!
Senhor, desencarnados e encarnados, trabalhamos no esforço abençoado de nossa própria regeneração, para o teu serviço divino!
Nestas lembranças do Natal, recordamos a tua figura simples e suave, quando ias pelas aldeias que bordavam o espelho claro das águas do Tiberíades! . .. Queremos o teu amparo, Senhor, porque agora o lago de Genesaré é a corrente represada de nossas próprias lágrimas. Pensamos ainda ver-Te, quando vinhas de Cesareia de Filipe para abraçar o sorriso doce das criancinhas. .. De teus olhos misericordiosos e compassivos, corria uma fonte perene de esperanças divinas para todos os corações; de tua túnica humilde e clara, vinha o símbolo da paz para todos os homens do porvir e, de tuas palavras sacrossantas, vinha a luz do céu, que confunde todas as mentiras da Terra! ...
Senhor, estamos reunidos em teu Natal e suplicamos a tua bênção!... Somos as tuas crianças, dentro da nossa ignorância e da nossa indigência! .. ' Apiada-te de nós e dize-nos ainda:
"Meus filhinhos ... "
HUMBERTO DE CAMPOS
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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 04:09
Terça-feira , 16 de Dezembro DE 2008

PORQUE, SENHOR ?

... E Nicodemos, o grande Nicodemos dos dias primeiros do Evangelho, passou a contar-nos;
- Depois da aparição do Senhor aos quinhentos da Galiléia, certo dia, ao entardecer, detive-me à beira do lago de suas pregações, rogando a Ele me dissipasse as dívidas. Ante os ensinamentos divinos, eu experimentava o entrechoque em torno das ideias de justiça e misericórdia, responsabilidade e perdão... De que maneira conciliar o bem e o mal? como estabelecer a diferença entre prêmio e castigo? Atormentado, perante as exigências da Lei de que eu era intérprete, supliquei-lhe a palavra e eis que, de súbito, o Excelso Benfeitor apareceu junto de mim... Prostrei-me na areia e Jesus, aproximando-se, tocou-me, de leve, a cabeça fatigada, e inquiriu:
- Nicodemos, que pretendes de mim?
- Senhor – explique -, tenho o pensamento em fogo, tentando discernir sobre retidão e delinquência, bondade e correção... Porque te banqueteaste com pecadores e tanta vez te referiste, quase rudemente, aos fariseus, leais seguidores de Moisés? Acaso, estão certas as pessoas de vida impura, e erradas aquelas outras que se mostram fiéis à Lei?
Jesus respondeu com inflexão de brandura inesquecível:
- Nunca disse que os pecadores estão no caminho justo, mas afirmei que não vim ao mundo socorrer os sãos, e sim os enfermos. Quanto aos princípios de santidade, que dizer dos bons que detestam os maus, dos felizes que desprezam os infelizes, se todos somos filhos de Deus? de que serve o tesouro enterrado ou o livro escondido no deserto?
- Messias – prosseguiu -, porque dispensaste tanta atenção a Zaqueu, o rico, a ponto de lhe compartilhares a mesa, sem visitar os lares pobres que lhe circundam a moradia?
- Estive com a multidão, desde as notícias iniciais do novo Reino!... Relativamente a Zaqueu, é ele um rico que desejava instruir-se, e furtar a lição, àqueles amigos a quem o mundo apelida de avaros, é o mesmo que recusar remédio ao doente...
- E as meretrizes, Senhor? porque as defendeste?
- Nicodemos, na hora do Juízo Divino, muitas dessas mesmas desventuradas mulheres, que censuras, ressurgirão do lodo da angústia, limpas e brilhantes, lavadas pelo pranto e pelo suor que derramarem, enquanto que aparecerão pejados de sobra e lama aquelas que lhes prostituíram a existência, depois de lhes abusarem da confiança, lançando-as à condenação e à enfermidades.
- Senhor, ouví dizer que deste a Pedro o papel de condutor dos teus discípulos... Porquê? não é ele o colaborador que te negou três vezes?!
- Exatamente por isso... Na dor do remorso pelas próprias fraquezas, Simão ganhará mais força para ser fiel... Mais que os outros companheiros, ele sabe agora quanto custa o sofrimento da deserção...
- Mestre, e os ladrões do último dia? porque te deixaste imolar entre dois malfeitores? e porque asseguraste a um deles o ingresso no paraíso, junto de ti?
- Como podes julgar apressadamente a tragédia de criaturas cuja história não conheces desde o princípio? Não acaberto os que praticam o mal; no entanto, é preciso saber até que ponto terá alguém resistido à tentação e ao infortúnio para que se transformam em vítimas do próprio desequilíbrio e há empreiteiros da fome que responderão pela crueldade com que sonegam o pão... Com referência ao amigo a quem prometi a entrada imediata na Vida Superior, é verdade que assim o fiz, mas não disse para quê... Ele realmente foi conduzido ao Mundo Maior para ser reeducado e atendido em suas necessidades de erguimento e transformação!...
- Senhor – insistiu -, e a responsabilidade com que nos cabe tratar da justiça? porque pediste perdão ao Todo-Poderoso para os próprios carrascos, quando dependurado na crus do martírio, inocentando os que te espancavam?
- Não anulei a responsabilidade em tempo algum... Roguei, algemado à cruz: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem...” Com isso, não asseverei que os nossos adversários gratuitos estivessem fazendo o que deviam fazer... Esclareci, tão-so, que eles não sabiam o que estavam fazendo e, por isso mesmo, se revelavam dignos da maior compaixão!...
Ante as palavras do Senhor – concluiu o antido mestre de Israel -, as lágrimas me subiram das entranhas da lama para os olhos... Nada mais ví que não fosse o véu diáfano do pranto, a refletir as sombras que anunciavam a noite... Ainda assim, ouvi, como se o Senhor me falasse lonfe, muito de longe:
- Misericórdia quero, não sacrifício...
Nesse ponto da narrativa, Nicodemos calou-se. A emoção sufora a voz do grande instrutor, cuja presença nos honrava a mansão espiritual. E, quanto a nós, velhos julgadores do mundo, que o ouvíramos atentos, entramos todos em meditação e silêncio, de vez que ninguém apareceu em nossa tertúlia íntima com bastante disposição para acrescentar palavra.


Livro Estante da Vida – Pelo Espírito “Irmão X” - Psicografia Francisco C. Xavier
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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 23:16
Sábado , 13 de Dezembro DE 2008

REENCONTRO NO NATAL

A SENHORA M. C., funcionária dos correios de grande metrópole atendia à seleção da correspondência recolhida pela manhã, prelibando a festa marcada para a noite. A véspera do Natal lhe surgia excitante. Encontro alegre de amigos.
Separada do marido, depois de dois anos, promovia o desquite. Com ele, deixara o filho único e os ideais mais lindos de mulher. Escolhera uma profissão, vencendo as dificuldades por si mesma.
Agia com as mãos e pensava: “Hoje, renovarei o caminho. Um sonho diferente. Afinal, estou livre e posso aceitar obrigações para com outro homem. Partirei, de hoje em diante, para a formação de novo lar. Já disse tudo a ele e ele me compreendeu. É um rapaz desquitado, sofrido quanto eu mesma”.
Enquanto isso, os dedos tateavam cartas e jornais. Quase mecanicamente, revisava nomes, carimbos, anotações. Escolhia material, aqui e ali.
Em dado momento, um papel dobrado, sem envelope, lhe caiu aos pés. Apanhou-o. Uma folha simples com endereço com letras desajeitadas: “Para Jesus – No Céu”.
A funcionária examinou o pequeno e estranho documento e, porque estivesse claramente aberto, mergulhou-se na leitura, de modo a inteirar-se de como devia agir e devorou o conteúdo, palavra por palavra:
“Querido Jesus.
Soube que o Senhor é quem distribui presentes para todos no Natal. Muita gente acredita no Papai Noel, mas tia Belinda me disse que Papai Noel é o Senhor mesmo.
Vou colocar esta carta na caixa do correio, pedindo uma cousa. Vou explicar.
Não querida que o Senhor me desse brinquedos, nem mesmo o automóvel que vi na loja. Queria que o Senhor me trouxesse minha mãe.
O Senhor sabe que ela nos deixou porque sofria demais. De noite, quando meu pai chegava da rua, fechava a porta com força e xingava muito, porque havia tomado bebidas fortes. Dava pontapés nas cadeiras e depois avançava para ela querendo bater e, às vezes, até batia.
Mamãe chorava, abraçada comigo, mas, uma noite, ela saiu e não voltou mais. Fiquei muito triste e papai também. Ele é bom para mim, mas quando bebe diz que eu não presto, que vai me levar para um asilo ou para o hospital.
Estou doente, querido Jesus, mas estou na escola. Quando é de noite, sinto frio e tenho muita tosse. Tia Belinda e Dona Silvana cuidam de mim, mas não é a mesma cousa que minha mãe.
O Senhor poderá encontrar mamãe e trazê-la. Se o Senhor falar com ela que estou doente, sem dormir de noite e tomando remédios, sei que ela virá.
Querido Jesus, não precisa mandar brinquedos nem bombons como no ano passado. Traga mamãe para mim.”
A Senhora M. C. leu a assinatura engasgada de emoção. Chegara-lhe às mãos a missiva do filhinho de oito anos.
Recompunha o rosto, lavado em pranto, quando foi chamada ao telefone. Atendendo, disse apenas ao interlocutor que conversava no outro lado do fio:
- Agradeço, mas sinto muito. Não me espere mais. Tenho novos compromissos.
E, à noite, a senhora M. C. demandou o antigo lar. Recebida alegremente pelas duas senhoras que lhe chefiavam agora a casa, passou na sala de visitas pelo esposo que, embora embriagado, a cumprimentou, surpreendido.
Rapidamente, alcançou o quarto do filhinho, com a ansiedade de quem reencontra um tesouro perdido e o pequeno, ao vê-la, ergueu-se do leito, exclamando, feliz:
- Ah! Mamãe!... Mamãe!... Então Jesus recebeu a minha carta e trouxe a senhora?!...
Ela somente respondeu, com o peito rebentando em lágrimas de ventura:
- Ah! Meu filho!... Meu filho!...


Irmão X
LiVro Os Dois Maiores Amores - Psicografia Chico Xavier - Autores Diversos
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publicado por SÉRGIO RIBEIRO às 23:57

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